Há 15 dias, o Governo revogou os currículos escolares e substituiu-os pelas chamadas “aprendizagens essenciais”. O que, das duas, uma: ou é muitíssimo óptimo ou é extremamente péssimo. Depende da interpretação que damos a “essência”. É óptimo se as aprendizagens forem consideradas essenciais no sentido de serem as imprescindíveis e exaustivamente ensinadas, sem as quais nenhum aluno se pode considerar formado; e é péssimo se forem essenciais no sentido de mínimo razoável, como aqueles pacotes básicos das operadoras que têm só 30 minutos de chamadas, 100 SMS e 2Gb de dados. Há pacotes melhores, mais completos, que deixam o cliente mais bem servido, mas o essencial é mais em conta. E, à primeira vista, basta. Mas depois, vai-se a ver melhor, e acabará por custar mais caro.

No entanto, para o tipo de análise que o tema exige, opto antes por esta dicionarização de “essência”: “Óleo volátil extraído de plantas, que apresenta geralmente o odor característico da sua origem vegetal”. Ora, uma vez que a origem vegetal desta decisão são os nabos do Ministério da Educação, isso só pode querer dizer que que o odor característico é o habitual esturro.

O Prof. Jorge Buescu, ex-Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática tende a concordar: Na prática, as aprendizagens essenciais é dizer: “Isto é preciso dar, isto pode dar ou não”. Quer dizer, dar ou não 25% do programa ficava à escolha do professor. Isto é uma coisa com muitos níveis de gravidade. Eu costumava dizer a brincar: “Então, na primária qual das quatro operações deixa de se dar?”. Isto foi feito sem coerência nenhuma, tirava-se uma coisa daqui, que daí a dois anos ia ser importante, mas ninguém sabia, e isso desarticulou o ensino todo, ficou uma coisa mesmo desengonçada”.

Objectivamente, a partir do próximo ano lectivo, em vez de aprenderem a matéria toda, os alunos só precisam de apanhar umas noções gerais. Quem está a esfregar as mãos são os autores dos Apontamentos Europa-América. De cadernos de resumos, que servem para desenrascar os cábulas, passam a exaustivos manuais canónicos. Neste momento, os novos Apontamentos Europa-América são os índices dos Apontamentos Europa-América. O aluno que estuda na véspera pelas fotocópias das notas de um colega, é agora um marrão.

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O Governo está a expurgar os currículos de tudo o que são matérias difíceis. O que significa que os alunos que aprenderem com estes programas já têm saída profissional assegurada, na medida em que as limpezas dos currículos resultarão em currículos nas limpezas. Só não se pode dizer que isto é o mínimo denominador comum, porque é um conceito que vai deixar de ser ensinado.

Mesmo assim, tenho inveja da nova geração. No meu tempo, a Matemática era um bicho-de-sete-cabeças, mas quem entrar hoje na escola já não vai dizer isso. Não só a Matemática está bastante acessível, como não é garantido que estas crianças venham a saber contar até 7. A Matemática deixou de ser uma disciplina difícil. Na acepção de “difícil”, mas também de “disciplina”. Transformou-se numa bandalheira fácil.

Como todos os da minha geração que no 10º ano também optaram pela área de Humanidades, fui muitas vezes acusado de “fugir à Matemática”. Uma acusação justa. Felizmente, os mais novos não vão ter de passar por isso. Se um preguiçoso fugir à Matemática a 12 km/h e, passados 3 anos, a Matemática sair no seu encalço, quando o irá alcançar? Nunca, pois o Governo fez o favor de dar um tiro na perna da Matemática.

(A verdade é que fugir à Matemática teve efeitos desastrosos na minha geração. Mais cedo ou mais tarde, a Matemática verdadeira – antes de o Governo a estropiar – acaba por nos apanhar. Seja na altura de perceber o spread de um empréstimo, calcular uma promoção de 20% nos saldos ou justificar à namorada, sob pressão, os minutos que se esteve sem a contactar. “Dizes que chegaste a casa à 1h25 e puseste logo o telemóvel a carregar. O aparelho demora 7 minutos até ter pilha suficiente para ligar, mas só me telefonaste à 1h39? Como explicas isso, ó Einstein?”

O exemplo mais dramático de fuga à Matemática é, sem dúvida, o do Ministro Pedro Nuno Santos. Durante anos, marimbou-se na Matemática, sem grandes consequências. Subiu dentro do PS, chegou a Ministro, é candidato à sucessão de António Costa. Tudo corria bem. Até que um dia, quando menos esperava, foi surpreendido pela Matemática. Apareceu-lhe ao virar de uma esquina, armada com a TAP, e deu-lhe 4 ou 5 bordoadas com companhia aérea no lombo, enquanto dizia coisas como: “A TAP tem mais 19% de pilotos por avião e mais 28% de tripulantes por avião do que a maior parte dos concorrentes! Faz as contas, pá! FAZ AS CONTAS!” E, um bocado contrariado, PNS lá acabou por fazer as contas).

O objectivo, digamos, essencial do Governo parece ser não melindrar as crianças. A escola é muito angustiante, com aquela insistência dos professores em fazerem perguntas difíceis e exigirem respostas correctas. É natural querer poupar os pequeninos a traumas. Só não sei se esta é a melhor opção. O que será mais traumatizante para um jovem? Confessar à família que chumbou? Ou anunciar à família que passou, mas não conseguir dizer para que ano, uma vez que não sabe contar?