Passaram 20 anos desde o dia fatídico de Setembro, em que o mundo assistiu, incrédulo, ao maior ataque terrorista em solo norte-americano. Em poucas horas percebemos que ali começava um novo tempo histórico. Foram 20 anos que transformaram o mundo.

A reacção americana foi determinada, imediata e avassaladora. Os ataques de 2001 chocaram o mundo inteiro, atentaram contra os valores mais importantes da nossa civilização e mobilizaram a comunidade internacional, solidária com os Americanos. Os EUA, feridos no seu orgulho, começariam pouco depois uma “guerra contra o terrorismo” que, na verdade, ainda travamos, duas décadas depois.

Em Outubro, o Afeganistão é invadido e o regime talibã é derrubado. O congresso americano aprova o Patriot Act por larga maioria. Pela mesma altura, são autorizadas as prisões secretas da CIA e as detenções sem controlo judicial e são lançados os grandes programas de vigilância eletrónica – mais tarde revelados por Edward Snowden. Em Julho de 2002 (apesar de já estarem a ser utilizadas), são aprovadas as famosas técnicas avançadas de combate ao terrorismo. Em Março 2003 é invadido o Iraque, um dos países do “Eixo do Mal” nas palavras do Presidente George W. Bush (num discurso que se tornaria célebre), com o pretexto da existência de armas de destruição maciça, o que nunca se comprovou.

Nestes 18 meses, todas as medidas de excepção foram anunciadas como transitórias e de curta duração. Muitos acreditavam que era possível derrotar o terrorismo de forma rápida e permanente e que é possível alcançar a segurança absoluta. Vinte anos depois, sabemos que não é assim. Em nome da defesa dos nossos valores, questionaram-se direitos fundamentais, contornaram-se regras, derrubaram-se regimes – que agora regressam -, invadiu-se a casa de muitos e violaram-se as comunicações em todo o mundo com o pretexto de encontrar alguns terroristas.

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Para a União Europeia, o 11 de Setembro foi uma alavanca para a criação do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, sob a liderança do português António Vitorino, Comissário Europeu à data. A Segurança Interna e a Justiça eram áreas que os Estados, até aí, reservavam ao domínio exclusivo das soberanias nacionais. A coordenação e a colaboração entre Estados-membros era quase inexistente. Porém, os atentados que sucederam à queda das Torres Gémeas (em Madrid, Londres, Bruxelas e Paris) levaram à adopção rápida de medidas que meses antes seriam consideradas improváveis. A preservação de Schengen como espaço de livre circulação obrigava ao reforço da partilha de informação através de sistemas como o SIS (Sistema de Informação de Schengen), de cooperação policial e judicial e da adopção de políticas comuns em matérias como os vistos, o asilo e as migrações. Foi aprovado, em tempo recorde, o mandado de detenção europeu.

A fúria legislativa e as decisões adoptadas foram mais significativas no domínio do reforço da segurança do que na garantia das liberdades.  E a verdade é que não faz sentido assegurar uma em prejuízo da outra. A legislação recentemente aprovada sobre a protecção de dados é um sinal positivo de preocupação pelos direitos individuais e de combate a práticas invasivas por grandes empresas e serviços dos Estados.

O mundo transformou-se radicalmente nos últimos 20 anos, muito para lá do impacto daquele dia. Naquelas semanas que se seguiram ao 11 de Setembro, a China ainda não fazia parte da Organização Mundial de Comércio. O euro ainda não estava em circulação. O Facebook não tinha sido inventado. Estavam ainda longe os (hoje tão banais) smartphones.

Passaram 20 anos e a questão que se coloca hoje é a de saber se a Europa está mais segura. Se aprendemos com a experiência dos tempos que vivemos. E a resposta é que, duas décadas passadas, o Mundo não está mais seguro, mesmo depois de tantas medidas securitárias.  Há hoje tantos Estados párias como havia em 2021. A intervenção no Iraque não foi bem-sucedida. O Afeganistão é o caso mais recente de flagrante fracasso. Depois da Primavera Árabe, as esperanças de Liberdade e Democracia esbarraram em guerras civis (como na Síria) ou em situações de instabilidade que contribuíram para a crise migratória, que parece estar ausente dos jornais, mas está bem presente no Mediterrâneo. Há cada vez mais deslocados e refugiados no Mundo.

A China, em 2001, não era o player internacional que é hoje, a tentar disputar a liderança mundial. A Rússia afirma-se, cada vez mais, como uma ditadura. E os Estados Unidos (mesmo pós-Trump) parecem continuar tentados pela cedência a um relativo isolacionismo.

Este é, pois, um tempo de oportunidade para a Europa.  Para aumentar a sua influência no Mundo e para reforçar a sua coesão interna. Isso passa por reforçar ainda mais a cooperação entre os Estados-membros, por reforçar a ajuda ao desenvolvimento, por ter políticas comuns coerentes e eficazes em matéria de asilo e migrações, por ser mais relevante – e operante – na cena internacional. Não é possível continuar a adiar e a contemporizar com as resistências nacionais dos países do costume.

Temos de perceber que a luta contra o terrorismo deve ser abrangente, universal e centrada na defesa dos nossos direitos e valores fundamentais.