Devo começar com um pedido de desculpas aos leitores. Comprometi-me a escrever sobre a Europa e um governo de esquerda em Portugal, mas não posso fazê-lo depois do que aconteceu em Paris ontem à noite. Ficará para a semana, espero.

Todos nós nos lembramos onde estávamos na manhã de 11 de Setembro de 2001. A partir de agora também nos lembraremos onde estávamos na noite de 13 de Novembro de 2015. Eu estava em Londres no cinema e subitamente um casal de franceses, sentado ao meu lado, saiu da sala. Seguiram-se mais 4 ou 5 pessoas. Passado pouco tempo, quase todos nós olhávamos para os nossos telemóveis para ler as mensagens recebidas e ler as notícias. O filme tinha passado para segundo plano e todos falavam com os seus vizinhos. 

A solidariedade que resulta do medo é trágica mas é um sentimento muito forte. Todos os europeus que vivem em cidades europeias sabem que hoje são outros, mas amanhã podemos ser nós. Vejam onde foram os ataques. Em bares, restaurantes, salas de concertos e estádios de futebol. Locais onde milhões de europeus se deslocam todas as semanas para se divertirem e encontrar os seus amigos e familiares. Como mostra Paris hoje, só temos segurança absoluta em casa; o que constitui a negação da vida urbana.

A primeira decisão do Presidente Hollande foi ordenar o fecho das fronteiras francesas. E as suas palavras foram de uma força excepcional. “A França foi vítima de um acto de guerra”, e a “França está em guerra com o Estado Islâmico.” Quando um Presidente francês usa estas palavras, algumas coisas terão que ser feitas. As palavras deixaram de chegar. Os discursos bonitos e emotivos não são suficientes. A solidariedade entre europeus é admirável, mas não muda a realidade nem garante a nossa segurança. Os europeus não podem viver com esta insegurança. Os seus governos terão que manter as sociedades europeias seguras, caso contrário as nossas gerações vão assistir ao fim da unidade europeia e da democracia em muitos países europeus. A defesa da unidade europeia e da democracia na Europa é o que está em causa. 

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A União Europeia necessita urgentemente de uma força policial comum que garanta a segurança das fronteiras externas europeias. A nossa unidade interna foi longe (e ainda bem). Por isso, temos fronteiras externas comuns. Se não se tornarem seguras, as fronteiras internas regressarão e a unidade entre europeus acabará. A Europa onde podemos viajar livremente, onde temos amigos e muitas vezes família em vários países passará a ser uma recordação de um passado que deixará muitas saudades. Devemos exigir aos nossos governos que façam tudo para defender uma Europa livre e unida, mesmo que isso signifique reforçar a segurança externa. Prefiro uma Europa fortaleza a uma Europa dividida.

Mais do que solidariedade, os ataques terroristas mostram que há uma identidade europeia. Não é uma identidade nacional, nem sequer ideológica, mas uma identidade assente num modo de vida comum. Todos nós vamos na sexta-feira à noite jantar fora, a concertos ou ver jogos de futebol com amigos, mulheres, maridos, namorados ou namoradas, filhos e pais. Tal como ontem fomos todos espanhóis e ingleses, hoje somos todos franceses. Ou seja, somos todos europeus com um modo de vida em que todos nos revemos.

Este ponto é essencial. Os terroristas não nos atacam por causa da guerra da Síria ou por causa de outras guerras. Apenas usam esses argumentos porque sabem que dividem os europeus. Eles atacam-nos pelo que nós somos. Cidadãos livres a viver em sociedades abertas. Cidadãos que recusam interpretações totalitárias de religiões que condenam milhões de pessoas a vidas indignas. Cidadãos que recusam discriminações contra quem pensa de um modo diferente, quem faz escolhas de vida diferentes e quem reza a Deuses diferentes. Por isso, Hollande está absolutamente certo. O ataque de ontem foi um ataque aos valores mais profundos das sociedades europeias.

Há forças políticas na Europa à espera dos benefícios do terror. São os partidos anti-democráticos, nacionalistas, apoiantes de regimes totalitários e que beneficiam sempre das crises e dos medos dos europeus. Em França, há a Frente Nacional, mas em todos os outros países europeus existem forças políticas semelhantes, umas de extrema-direita, outras de extrema-esquerda. Mas os objectivos são os mesmos: acabar com a unidade europeia e com sociedades abertas e livres.

Hollande também percebeu que a França está em guerra com quem ataca e mata para destruir a democracia e a liberdade. Se a França está em guerra, todos os outros países da União Europeia também estão em guerra. E se o governo francês pedir à Aliança Atlântica para acionar o Artigo 5, todos os países da NATO estarão igualmente em guerra. Hollande obrigou os europeus a pensarem num assunto profundamente incómodo: por vezes, mesmo contra a nossa vontade, somos obrigado a fazer a guerra para defender o nosso modo de vida e os nossos valores fundamentais. Os europeus achavam que essa questão fazia parte de um passado que não deixou saudades. Mas os ataques de 13 Novembro mostram que estávamos errados. A escolha já não é entre a guerra e a paz. É entre a unidade e a divisão da Europa, entre a democracia e o totalitarismo.