Nasci em 1982. Poucos anos antes, em 1977, e no ano seguinte, 1983, recebíamos a visita do Fundo Monetário Internacional. Portugal acabara de sair de 40 anos de ditadura, nesta transição revolucionária os excessos foram inevitáveis, felizmente minimizados pelo 25 de novembro de 1975. Foi provavelmente o ano e meio mais importante da nossa vida democrática, nessa altura tínhamos dois destinos à nossa frente, a escolha que fizemos devemo-la a homens excepcionais como Jaime Neves ou Marcelino da Mata que se sacrificaram por nós. Em 1983, o país entrava definitivamente no comboio da democracia e preparava a entrada na então Comunidade Económica Europeia.

Nestes anos Portugal mudou, melhorámos no índice de desenvolvimento humano, melhorámos a taxa de alfabetização e criámos o Serviço Nacional de Saúde que permitiu diminuir substancialmente a taxa de mortalidade infantil, aproximando-nos dos melhores do mundo. O 25 de Abril foi uma oportunidade, não só porque conquistámos a liberdade, mas também porque finalmente aqueles que nos governam iriam prestar contas. Eleições livres significavam sindicância e exigência para com os eleitos, os deputados não seriam escolhidos nem por um ditador de direita nem por um Comité Central de esquerda, seria o povo, seriamos nós que escolheríamos os nossos representantes, em eleições livres e democráticas.

Acreditámos que tinham ficado para trás os anos duros de 1977 e 1983, durante mais de 20 anos usufruímos de um nível de vida melhor, muitas vezes muito melhor, a geração dos meus pais teve uma vida muito melhor que a dos meus avós e a minha geração teve uma infância e adolescência muito melhor que a dos meus pais. Mas é aqui que tudo muda, algo correu muito mal entretanto e chegados a 2011 o impensável acontece, aqueles anos que eu não vivi ou não me lembro voltaram pela mão de um irresponsável chamado José Sócrates.

Se a infância e a juventude da minha geração tinha sido melhor que a dos meus pais, a entrada no mercado de trabalho e na vida adulta tinha tudo para não ser. Com a bancarrota do Partido Socialista chegava o desemprego, a recessão, baixos salários e a emigração. Pela primeira vez desde o 25 de Abril de 1974 uma geração teria menos oportunidades no mercado de trabalho que a geração anterior, o nível de vida deteriorava-se a olhos vistos e aquela a que chamavam a “geração mais qualificada de sempre” foi obrigada a emigrar. E não sejamos hipócrita: foi obrigada a emigrar não pelas palavras de Pedro Passos Coelho mas pelas acções de José Sócrates.

No próximo dia 25 de Abril comemoramos 46 anos de liberdade em condições especiais. Agora enterramos os mortos sem padres e com o máximo de 10 pessoas, não nos juntámos na Páscoa nem em lado nenhum, a crise que aí vem ameaça ser ainda pior que todas as que já vivemos. Agora que começávamos finalmente a ver uma luz ao fundo do túnel desaba tudo novamente e perante isto o que fazem os nossoa representantes? Uma comemoração com mais de 100 pessoas na Assembleia da República. É a vontade da maioria, diz-nos Ferro Rodrigues e tem razão — a maioria dos deputados do parlamento assim o quis.

O profundo desrespeito com que nos tratam só tem comparação com a nossa complacência — desistimos de exigir explicações. O 25 de Abril da Assembleia da República não será o nosso, o que ali se comemora tem cheiro a fim de festa. Esperávamos solidariedade e sobriedade dos deputados, mostram-nos uma festa. Talvez quando nos quiserem para comemorar na rua nos tenham que tirar à força de casa.

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