O meu ano começa com um presente: um sonho resgatado. A acompanhá-lo, numa folha a cores, escrita a tinta permanente, está uma nota: “realizar sonhos antigos também é criar espaço para sonhar sonhos novos”.

Tentamos que o primeiro dia de cada ano seja o modelo para os dias seguintes. Enchemo-nos de passas, de desejos, de alegria, e acreditamos na reprodução dessa esperança nos trezentos e sessenta e quatro dias restantes. Aconteceu-nos há um ano e nos anos anteriores. Há uma ideia de renovação a cada mudança de ano que nos sustenta a vontade de “continuar para depois começar”, como diz Maria Filomena Molder, que a brincar na rua íngreme de sempre, a desceu um dia a olhar para o horizonte e descobriu o Tejo, lá em baixo, à espera de ser visto. Estava lá mesmo antes dela o saber.

Dois mil e vinte e um é um ano assim. Um ano para o habitarmos na certeza de que se continuarmos chegaremos ao que lá está para ser visto: à imunidade, à reconstrução das vidas suspensas no medo do contágio e da morte.

É também um ano para continuar a partir do momento inicial, para recriarmos as perguntas da infância onde exigíamos que o mundo nos fosse explicado e o interrogávamos sem pudor, com a necessidade de quem aprende a pensar, como quem constrói lego: mover as peças, encaixá-las, remontar.

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Dois mil e vinte deu-nos a oportunidade de perceber o que não funciona no mundo global, de nos confrontarmos com os nossos excessos, com as nossas faltas. Do turismo de massas à poluição, da degradação da vida política à destruição sistemática dos media. Exemplos, apenas, daquilo que construímos passivamente. Sem oposição. Sem resistência.

Mover as peças, encaixá-las, remontar.

Fizemos o Renascimento, a revolução digital, e a vacina num ano: é o que acontece quando sonhamos.

Agora é preciso continuar para que possamos começar.