Há precisamente 14 anos, no ano em que, por exemplo, os Jogos Olímpicos se disputaram na China ou em que Barack Obama se tornou no primeiro presidente negro dos Estados Unidos da América, o grande destaque do ano foi outro e influenciou a população mundial de forma mais grave do que qualquer outro acontecimento. A crise económica de 2008 foi um dos fenómenos mais marcantes e escusado será dizer que foi um acontecimento que não marcou apenas esse ano. Foram precisos quase 10 anos para a economia mundial recuperar e atingir valores relativamente saudáveis e equilibrados.

Segundo os analistas e os principais economistas, o maior colapso financeiro do século (apenas equiparado com o crash da bolsa em 1929) teve origem nos Estados Unidos da América e nasceu no seio do mercado imobiliário americano. Pode parecer estranho o facto de terem sido ‘só’ as casas americanas a causar um impacto tão significativo na economia mundial, mas poderemos perceber que não é assim tão difícil compreender este fenómeno.

A economia americana sempre foi conhecida pela constante circulação de dinheiro e mais concretamente pela facilidade em conceder crédito. Na altura, e apesar de os juros não serem baixos (ou pelo menos não tão baixos como são agora), a facilidade em conceder crédito era elevada e semelhante ao que se tem vindo a praticar nos últimos anos.

Um segundo ponto importante e, muito provavelmente, mais importante quando procuramos razões para a crise que afetou milhões de famílias em todo o mundo desde 2008 tem que ver com as Collateralized Debt Obligations (mais conhecidas por CDO) – uma estrutura de investimento que agregava diferentes empréstimos e que podia ser vendida a outros investidores. Estas ‘estruturas de investimento’ pareciam ser algo positivo porque asseguravam a circulação do investimento entre empresas, investidores e bancos.

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Assentes na crença de que as pessoas não deixariam nunca de pagar as mensalidades dos respetivos créditos, todo este mecanismo de investimento tinha como principal pilar o crédito habitação e a partir do momento em que esses empréstimos ruíram toda a estrutura financeira de investimento também ruiu – e, por isso, os bancos começaram igualmente a entrar em incumprimentos graves. O que se seguiu foi simples: as entidades bancárias foram absorvendo o dinheiro de quem tinha contraído os créditos de forma a combater o ‘rombo’ que esta ruptura provocou.

Catorze anos depois, em pleno 2022 e numa altura em que o tema da habitação é um dos temas mais debatidos da atualidade – quiçá o mais debatido mesmo – é importante tentar perceber o que é que o futuro nos ditará e de que forma é que a banca resistirá às constantes oscilações do mercado financeiro e, para isso, podemos olhar para o atual contexto português.

O mercado bancário tem, no geral, aplicado medidas macroprudenciais relevantes para garantir a sustentabilidade e o equilíbrio do sistema financeiro: desde o estabelecimento do limite de 90% para LTVs (rácio correspondente à percentagem a ser solicitada aos bancos relativamente ao valor do imóvel), à redefinição dos prazos máximos de maturidade dos créditos, o Banco de Portugal, por exemplo, tem ‘apertado’ cada vez mais os requisitos para emprestar dinheiro.

Para além de emprestar dinheiro mais dificilmente, os bancos têm também emprestado cada vez menos por crédito: apesar de a procura pela compra de casa ser cada vez maior, já não existem créditos a 100% (tendo em conta o valor da casa em si), salvo raras exceções apenas pessoas que possuam contratos de trabalho efetivos podem contratar um crédito e existe uma rigorosa avaliação do imóvel para a entidade bancária analisar se faz sentido (ou não) emprestar determinado valor.

Uma das componentes mais importantes que o banco utiliza para avaliação do crédito em si é a DSTI (Debt Service-to-Income). Este é indicador do grau de esforço financeiro do cliente associado ao pagamento de uma dívida e esta nuance é utilizada como regra para simular se o cliente continuará a cumprir com a respetiva prestação mensal caso haja um aumento na EURIBOR de 3 pontos percentuais.

Quer isto dizer que, apesar de os juros terem batido, há muito pouco tempo, recordes mínimos e que os bancos ganham, por isso, menos com cada crédito em si, o sistema bancário está cada vez mais fortalecido e resistente a oscilações graves do mercado, garantindo assim que as pessoas estarão sempre com taxas de esforço razoáveis – a única forma de evitar com que as mesmas deixem de pagar o crédito em si.

Ainda assim, é importante alertar para os últimos aumentos das taxas de juro e tentar responder à pergunta que mais tem assustado as pessoas com crédito ‘ativos’ – deixarão as pessoas de ter capacidade para pagar as respetivas prestações mensais do empréstimo tendo em conta, por exemplo, os valores das casas e da inflação?

A ideia não é, de todo, assumir a confiança como se fez em 2008, mas tendo em conta que a banca ‘aprendeu com os erros’ do passado recente e que a mesma está mais estável e resistente, muito dificilmente haverá um fenómeno que conduza a um colapso.

É, por isso, seguro afirmar que será necessário uma hecatombe financeira ainda maior do que a de 2008 para haver uma situação grave de crise em que os bancos entrem em claro colapso.

Contudo, o produto do crédito em si será sempre um dos produtos mais complexos e indefinidos do mercado. Dessa forma, é crucial acompanhar o mercado de forma credível e contar com a colaboração de entidades importantes e de referência no mercado será sempre uma solução viável e positiva.