Faz 47 anos no próximo domingo, dia 25, que acordei aí pelas seis da manhã com a minha mãe a falar com a vizinha do prédio em frente, de varanda para varanda. A vizinha dizia-lhe para ligar o rádio, a telefonia como se dizia mais na altura, porque tinha havido uma revolução. Esta vizinha era filha do General Firmino Miguel, de quem se lembrarão certamente os que nesta altura já tinham idade para isso, mas que nesse dia era ainda um mero desconhecido.

E a minha mãe foi ligar o rádio, talvez no Rádio Clube – é provável que tenha sido -, para ouvir a Boa Nova e todos (os meus pais, as minhas irmãs e eu) ficámos ali a escutar as notícias, que nos iam mais e mais alegrando à medida que íamos tendo maior certeza de que o regime de ditadura, já muito fragilizado, passaria naquela data a ser do passado, a fazer somente parte da História de Portugal. Nesse dia já não houve escola nem trabalho para ninguém…

Eu tinha 11 anos. Feitos há dois meses e meio. Não compreendia totalmente bem o que se passava. Mas do que ouvia (certamente em minha casa, em conversas entre o meu pai e a minha mãe), do que apanhava, do que lia nos graffiti pintados nas paredes das ruas, sabia que havia alguém que se tinha destacado como opositor ao regime nos últimos tempos e que até tinha escrito um livro, Portugal e o Futuro, que o meu pai tinha na estante do corredor lá de casa, uma estante de vidrinhos nas portas, onde eu gostava de ir bisbilhotar os livros. E esse alguém, o autor do livro, era o Spínola, como ficou conhecido, o General António de Spínola, que mais tarde foi o primeiro Presidente da República desta Nova Era, e também Marechal.

E assim que comecei, pelo rádio e pelo que os meus pais diziam, a perceber minimamente o que estava a acontecer naquele dia, perguntei de imediato: “Quem ganha é o Spínola? Já não vou para a guerra?” A guerra era a guerra colonial, obviamente, e eu, como certamente quase todos os rapazes dessa época, tinha quase terror só de pensar que alguns anos depois lá iria parar com os costados…

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Os dias e os tempos seguintes foram de grande emoção. Era bem novinho, mas lembro-me muito bem de todo esse período que me marcou bastante pela positiva. Os soldados na rua, as pessoas em volta, a emoção da saída dos presos políticos de Caxias, a manifestação desse primeiro 1º de Maio em liberdade, logo uma semana depois, em que todos se davam bem, sobretudo socialistas liderados por Mário Soares e comunistas com Álvaro Cunhal à frente.

Depois, as coisas foram avançando e nem sempre da forma que hoje julgo que terá sido a melhor. Por vezes ponho-me a pensar, como quase todos nós, certamente, se valeu a pena o esforço de Salgueiro Maia e de tantos outros para mudar o “estado a que isto tinha chegado”, se valeu a pena fazer uma revolução quase só de flores para, quase 50 anos volvidos, estarmos numa situação, termos um país que em muitos aspetos não melhorou: corrupção, compadrios, falta de valores, etc. Só o suposto desenvolvimento e o acompanhar dos hábitos do mundo a que chamamos desenvolvido não me parecem suficientemente motivadores.

Mas a conclusão desses pensamentos só pode ser uma: que sim, que valeu a pena – mesmo que fosse só pelo fim da repressão política, pela liberdade de ideias e pelo fim da guerra colonial, já o teria valido!

Conto esta minha vivência e sentir várias vezes. De alguma forma, julgo que é ainda uma mensagem de esperança na mudança que urge concretizar-se…