A anomia política é um dos maiores problemas da sociedade portuguesa e explica boa parte da sucessão de crises financeiras que o país já atravessou, o crescimento explosivo da abstenção e uma cristalização quase total do sistema político-partidário luso. Esta anomia é o desafio que urge vencer por forma a construir uma sociedade mais participada e uma democracia mais participativa, algo que, na presente fase da democracia, só pode ser feito pelos partidos, por fora ou a partir de dentro, das suas bases ou de algum líder providencial e “esclarecido” que queira impor (a partir do topo) as alterações que se exigem para que o sistema democrático se regenere por forma a continuar a garantir as liberdades cívicas e individuais que caracterizam a república e o regime democrático republicano.

E esta regeneração só pode ocorrer através do voto, a forma prática de exercer a democracia e de influenciar a governação das sociedades. Quando existe uma demissão generalizada do exercício do poder de voto por parte dos cidadãos, com abstenções crónicas superiores a 50%, estamos perante uma democracia doente, que urge curar sob pena de a ver restrita a um número cada vez menor de cidadãos que, num dado ponto, será cada vez mais próximo daqueles que exercem o poder e das suas relações próximas, que dependem desse exercício para o seu sustento. Quando chegarmos a esta “Democracia Restrita” chegaremos a um ponto em que a democracia decaiu até se tornar numa oligarquia.

Possíveis soluções para a abstenção

  1. Aumento da quantidade de opções eleitorais através da simplificação do processo de reconhecimento burocrático de novos partidos políticos. Simplificar o acesso às eleições autárquicas por parte de independentes e abrir essa possibilidade (cruzando essa reforma como voto uninominal) para a Assembleia da República tende também (ver trabalhos de André Freire, Rodrigo Martins e Manuel Meirinho, de 2012) a reduzir a abstenção.
  2. Alteração do sistema representativo por forma a dificultar a persistência de “rotativismo democrático” a dois partidos e aumentar a quantidade de partidos representados no Parlamento.
  3. Agir contra a corrupção na política através da concessão de recursos reforçados à investigação judicial, do reforço da remuneração dos políticos e dos mecanismos de transparência e de fiscalização parlamentar ou por parte das oposições autárquicas.
  4. Desprofissionalização da política, permitindo o exercício de cargos electivos em horários não laborais e reforçando a quantidade e qualidade de assessores por forma a compensar essa perda potencial do nível de especialização e preparação dos nossos eleitos.
  5. Se o nível socioeconómico se parece relacionar de forma muito próxima com a abstenção eleitoral, o aumento do nível médio de rendimentos e políticas activas de combate à pobreza, especialmente em contextos geográficos desafiantes, pode ter reflexos directos na redução da abstenção. Isto mesmo foi confirmado pelos investigadores Rodrigo Martins e Francisco José Veiga, referidos por João Cancela no Portugal Talks, que indicam que existe uma ligação entre os níveis de abstenção e a situação económica das autarquias onde residem os eleitores.
  6. O envelhecimento da população tenderá, a médio prazo, a fazer cair os números da abstenção porque este fenómeno está, tradicionalmente, ligado às camadas populacionais com menos de 30 anos.
  7. Realizar eleições ao fim da tarde de dias de semana durante vários dias por forma a aumentar as possibilidades de participação dos eleitores. Este é o método usado, por exemplo, na Holanda, onde o acto eleitoral se prolonga durante três dias.
  8. Reduzir a idade de voto. Em praticamente todas as democracias consolidadas cada vez se vota e participa menos na vida política, quer ao nível local, quer ao nível nacional. Este declínio é generalizado desde a década de 1980 e intensificou-se na última década e uma das respostas possíveis pode passar por acompanhar os tempos e alargar o universo de possíveis eleitores fazendo descer a idade mínima de voto. Essa descida vai aliás ao encontro do relatório aprovado em 2011 pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e que defendia a redução da maioridade eleitoral para os 16 anos nos 47 Estados membros da organização. Mais cidadãos com capacidade para votar deveriam levar a mais votos. Embora o fenómeno pudesse até fazer aumentar o abstencionismo relativo iria certamente aumentar a quantidade de votos recolhidos e preparar, mais cedo, um conjunto maior de cidadãos para o bom cumprimento dos seus deveres cívicos. Descer a idade do voto seria também uma forma de solidariedade intergeracional e de procurar que o impacto nas medidas de curto prazo, que são, classicamente, a maior preocupação dos eleitores seniores, possa ser assim compensado com uma governação mais orientada para o futuro e para as gerações vindouras.
  9. Voto obrigatório. Avaliar a necessidade de estabelecer a obrigatoriedade do voto. Esta obrigação cívica poderá tornar-se, dado o crescimento galopante da abstenção, uma necessidade global a muito curto prazo. Nas eleições dos EUA de 2012 a abstenção ascendeu aos 55% e isso determinou, em boa medida, a eleição de Donald Trump. Ao mesmo tempo, em países com voto obrigatório, como a Bélgica, Luxemburgo, Austrália e Malta, a participação eleitoral rondou os 95%. A aplicação de uma coima (que não é exigida em todos os países onde o voto é obrigatório: por exemplo o México) poderia ser, contudo, contraproducente, uma vez que associaria o mais essencial do exercício democrático a uma “multa” e levaria a votos sem a consciência que se exige a esse acto cívico. Uma opção mais moderada seria a de congelar pagamentos muito específicos e concretos, tais como alguns pagamentos na Segurança Social ou devoluções de impostos. Estas contenções não seriam assim “coimas” mas “congelamentos” até ao momento em que cidadão tornasse a exercer o seu direito de voto.
  10. Economia do voto. A fórmula que determina se alguém vai, ou não, participar num acto eleitoral é PB + D > C. Em que P é a probabilidade de que o voto do indivíduo afecte o resultado final de uma eleição, B é o benefício esperado do voto expresso num certo candidato ou partido, D representa o sentido de “dever cívico” e actualmente o sentimento de realização pessoal de votar e C é o tempo, esforço e custo financeiro de votar. É assim nesta equação e nos seus termos que é preciso trabalhar:
    a) Aumentando a quantidade de instâncias de participação democrática: Orçamentos Participativos, simplificar o acesso a Referendos e Iniciativas Legislativas Cidadãs e introduzindo formas de democracia onde ela não existe, designadamente nas áreas metropolitanas, na Justiça e instaurando referendos revogatórios de mandatos.
    b) Aumentando o impacto do voto, capacitando, por exemplo, os poderes do Parlamento Europeu e ligando os deputados (por círculos uninominais) aos eleitores.
    c) Insistindo na formação e educação cívica dos cidadãos por forma a aumentar a sua participação cívica e, decorrentemente, eleitoral.
    d) Trabalhando muito ao nível das autarquias locais como uma forma de introdução e de exercício local e eficaz de cidadania e democracia. Reduzindo o “custo” do voto: instaurando o voto postal antecipado, estudando o voto electrónico remoto e seguro e tornando os transportes públicos gratuitos em dia de eleições (mais detalhes adiante).
  11. Conforme já sucede nos EUA, importa começar a introduzir formas de voto postal antecipado, pelo menos até 30 dias antes da data das eleições. Nos EUA este modelo de participação eleitoral já tem amplo uso, com variantes que vão desde a colocação nas ruas de caixas especializadas ao envio do boletim por correio para os eleitores (com RSF) até à recolha do boletim e envelope nas autarquias. O Voto Postal permitiria que muitas pessoas (por exemplo no grupo dos idosos, onde a abstenção é geralmente baixa) que não podem deslocar-se fisicamente, pudessem participar nos sufrágios. De notar que este método é implementado e bem conhecido há muito tempo (na Austrália desde 1877).
  12. Flexibilização da geografia do voto criando formas de voto fora dos locais de circunscrição, em locais onde se concentram grandes números de eleitores deslocados (como Universidades) e permitir – como sucede na Noruega desde 1999 – o voto em estações de correios.
  13. Voto por procuração. Nesta forma de voto o eleitor delega em alguém a capacidade de expressar o seu voto. Isto permite combater as formas de abstenção por impossibilidade física (distância ou doença), sendo que esse delegado pode ser um familiar próximo ou uma pessoa de confiança. É uma forma imperfeita de expressão da democracia mas faz sentido e o risco é contido se for limitado a uma série limitada de circunstâncias e condições.
  14. Os partidos e candidatos devem fazer menos promessas e serem muito mais cuidadosos na sua capacidade para as executar, evitando criar assim nos eleitores um sentimento (justo) de desilusão para com as suas propostas e para com a capacidade de a democracia para funcionar. Devem, igualmente, manter um registo actualizado em tempo real do estado do cumprimento das mesmas e dos obstáculos e dificuldades que estão a ser encontradas e que impedem a sua boa execução.
  15. Existe um sentimento de desligamento da comunidade por parte de um número crescente de cidadãos (especialmente os mais jovens) para com os vários níveis de comunidade em que se integram. Quanto mais distante é o nível de representação, menor a proximidade e maior o desligamento entre este círculo eleitoral e o sentimento de pertença experimentado pela maioria dos cidadãos. A forma de resolver este problema passa pelo desenvolvimento de uma verdadeira democracia de proximidade e o local onde este desenvolvimento pode começar é o mundo autárquico. Com efeito, quanto menor é a escala maior o sentimento de pertença e comunidade dos cidadãos, pelo que é precisamente na descentralização que pode e deve começar a solução deste sentimento de desligamento que prejudica a democracia: mais cidadania local, mais ferramentas que propiciam uma cidadania local efetiva, executada e seguida pelos eleitos, mais fiscalização e escuta activa por parte das assembleias deliberativas autárquicas e, sobretudo, listas de candidatos de melhor qualidade, sem “paraquedistas” e com membros activos da comunidade podem ser, neste contexto, essenciais para resolver este sentimento de desligamento e trazer mais eleitores às eleições autárquicas e posteriormente, por contaminação do exemplo, mais participação a todas as outras eleições.
  16. Criar um subsite no site da CNE com um número limite de propostas e caracteres para que todos os partidos possam expor aqui a sua ideologia e principais propostas, criando aqui um formulário de perguntas e respostas a que o eleitor possa responder, consoante essas propostas e pontos ideológicos, e que o possa orientar até ao sentido de voto mais adequado com os seus sentimentos e pensamento político.
  17. Dado que se sabe que é a população mais jovem e as famílias de menores rendimentos que mais contribuem para os números da abstenção, a CNE deve realizar campanhas regulares de promoção do voto direccionadas para estes segmentos da população.
  18. Embora exista quem procure associar votos nulos ou brancos à abstenção, considerando-os como partes da mesma, na verdade tal não é aceitável porque nestes casos o eleitor deslocou-se às mesas de voto e depositou o seu voto na urna e isso reflecte uma vontade clara e expressa de votar branco ou nulo. Assim, uma forma de alargar as opções de voto (a sua escassez é apontada como a razão para alguma abstenção) seria transferir eleitores da abstenção para os votos brancos e nulos através da instituição da regra de que quando os votos em branco, nulos e a abstenção forem superiores a 50% há lugar à repetição das eleições. Se o somatório desses números for superior a 60%, além da repetição os partidos terão também que apresentar novas listas com novos candidatos e reordenação dos anteriormente apresentados nessa qualidade.
  19. Sendo que alguns abstencionistas são aqueles que hesitam entre mais do que uma opção eleitoral, a introdução do voto preferencial (em que o eleitor distribui o seu voto por várias opções) pode atrair esse eleitores às mesas de voto.
  20. Num estudo europeu de 2012 indica-se que 22% dos abstencionistas nunca foram votar mas também que 32% afirmaram terem decidido não votar alguns dias antes das eleições (16%) ou no próprio dia das eleições (também 16%). Isto parece indicar que as campanhas eleitorais podem ter um papel importante nos números finais da abstenção, pelo que fazer campanhas de qualidade e com imaginação pode ser um factor importante para a redução da abstenção.
  21. No dia das eleições, instituir a gratuidade dos transportes públicos poderia trazer alguns eleitores até às urnas de voto.
  22. Impedir a divulgação de sondagens durante o decurso do período de campanha eleitoral, por forma a reduzir a incidência do abstencionista que acredita que o seu candidato já se sagrou vencedor.
  23. Actualizar os cadernos eleitorais, limpando os chamados “eleitores fantasmas”: nomeadamente aqueles que saíram do país.
  24. Reduzir as formas de um candidato se recandidatar como forma de refrescar as opções que se apresentam aos eleitores e acabar com pessoas que se agarram ao poder, no mesmo cargo, durante mais de vinte anos (caso do Areeiro em Lisboa). As limitações de mandatos de 2005 podem ser assim atualizadas colmatando uma lacuna legal que foi explorada em várias autarquias do país e que reduziu assim, na prática, a competitividade eleitoral e incentivou a abstenção.
  25. Por forma a reduzir a “abstenção de protesto” de militantes descontentes com coligações pré-eleitorais ou com a forma como se constituem as listas de deputados ou com deputados específicos que as compõem, capacitar a base da militância com uma intervenção na composição das listas através de assembleias de militantes, primárias ou de referendos a coligações pré-eleitorais poderia ter efeitos neste tipo específico de abstenção.
  26. Simultaneidade de eleições. Emular o modelo sueco e belga e realizar eleições autárquicas (ou Europeias, como já sucedeu uma vez em Portugal) em simultâneo com eleições presidenciais e legislativas. Esta simultaneidade reduz a fadiga eleitoral e permite que os candidatos e partidos que se apresentam a eleições possam organizar melhor as suas campanhas e propostas.
  27. Mudar o sistema eleitoral: os países com sistemas proporcionais de representação estão associados a maiores níveis de abstenção do que aqueles que optaram por sistemas maioritários porque isso conduz a menos perdas de votos devido à mecânica de conversão de votos em mandatos. Uma opção mais moderada poderia passar pela introdução de um círculo nacional de compensação de mandatos que compensasse essa perda e incentivo natural (ver “economia do voto”) à abstenção.
  28. Aumentar a acessibilidade do voto antecipado e em mobilidade através da adopção de um modelo semelhante ao seguido na Dinamarca em que se permite votar antecipadamente ao longo de três semanas antes da data das eleições numa rede alargada de locais de voto que vão desde câmaras municipais, hospitais e até centros de dia. Uma tal medida teria que implicar a desmaterialização das descargas dos cadernos eleitorais, dado que só assim seria possível que um cidadão pudesse votar fora da sua circunscrição.
  29. Voto Digital Presencial. Em 2019, em Évora, realizou-se uma experiência de voto digital presencial em urna electrónica. Outros testes já tinham sido antes realizados (autárquicas de 1997 e 2001, legislativas de 2005 e Parlamento Europeu de 2004). Mas a maior vantagem deste tipo de sufrágio (muito comum no resto do mundo) reside na agilização do processo de contagem dos votos e não deve ter impacto nos números da abstenção.
  30. Voto Digital Remoto. O exemplo da Estónia (o país do mundo em que mais se avançou nesta área) demonstra que o voto digital e remoto tem virtualidades para travar o crescimento da abstenção mas tem um efeito limitado no aumento da participação eleitoral. Na prática, o voto digital remoto é a capacidade de exprimir o sentido de voto através de um computador ou dispositivo móvel que esteja ligado à internet e independentemente do local onde se encontra o eleitor. Não há dúvidas de que a implementação deste tipo de voto teria um efeito positivo nos números da abstenção. Potencialmente, pelo menos, poderia trazer à participação a nossa diáspora e ter o mesmo efeito no eleitorado mais jovem e tecnologicamente mais capacitado. As deslocações dos mais idosos até aos locais de voto deixariam de ser um factor de abstenção e os tempos de contagem de voto e até a segurança (com sistemas de segurança multi-nível no acto eleitoral) e sistema de auditing poderiam ser outros factores ganhadores do Voto Digital Remoto. Um tal sistema deveria incorporar várias garantias:
  • O voto anónimo (ou “voto secreto”) limita a quantidade de informação que está disponível aos votantes e às outras partes neste processo. A anonimidade do voto procura manter o secretismo quanto à direção do voto sendo uma forma de desassociar os votantes do seu voto. A este respeito importa referir que alguns sistemas de voto digital têm dificuldade em conciliar anonimidade com integridade dos votos e permitem que alguém vote mais do que uma vez, o que distorce os resultados eleitorais. Por outro lado, os eleitores têm que confiar na tecnologia que está a ser usada, nomeadamente na sua capacidade para manter o seu voto anónimo, bem como na manutenção da integridade dos resultados eleitorais.
  • A prévia e adequada avaliação dos riscos envolvidos através do envolvimento de entidades como especialistas académicos, a Polícia Judiciária ou o Centro Nacional de Cibersegurança seria muito importante na implementação de qualquer modelo de voto digital.
  • A susceptibilidade de auditoria externa e interna (pelo próprio eleitor) através de recibos ou de sistemas de “end-to-end voter verifiable (E2E)” individuais, em que o eleitor pode consultar o sentido do seu voto e se este foi devidamente registado ou universais em que todos conseguem verificar que todos os votos foram correctamente contabilizados.
  • A segurança do sistema. Um sistema de voto deve ser avaliado e testado por forma a provar a sua resistência contra ataques como aquele que afetou o sistema Rousseau do M5E italiano em 2018. Um tal sistema deve ser resistente às vulnerabilidades mais comuns nos sistemas onde vai correr (clientes e servidores) e incorporar protocolos resistentes a erros dos operadores (ver caso da Universidade de Michigan sobre o sistema Estónio em 2018) e à instalação de malware ou cavalos de Tróia. Em particular, o acesso de superusers deve ser limitado e muito monitorizado.
  • A escalabilidade do sufrágio. Um sistema de voto electrónico e remoto deve ser capaz de suportar uma pequena eleição local, nacional ou um referendo interno partidário.
  • O suporte a picos de carga. Um sistema de voto electrónico tem de ser capaz de suportar picos de carga nos acessos e votos em qualquer momento da votação.
  • O sistema de voto digital deve ser integrado com o Cartão de Cidadão (CC) ou com a Chave Móvel Digital (CMD). Não sendo um requisito essencial, proporciona maior segurança garantida pelo leitor do Cartão do Cidadão (que nem todos têm) ou através da Chave Móvel Digital (CMD) – que já permite o acesso a sistemas de homebanking ou à marcação de consultas no SNS, com cerca de 2 milhões de utilizadores (a CMD usa credenciais utilizador-password com códigos únicos, enviados por SMS ou e-mail (MFA ou “autenticação multi-factor”), garantindo assim um elevado nível de segurança).
  • Por fim, qualquer sistema de voto remoto deve ser auditado regularmente de forma a garantir a devida adequação com o Regimento Geral de Protecção de Dados.

A abstenção é a maior maleita da democracia. E, como todas as grandes maleitas, não tem uma única vertente: a falta de confiança no sistema, nos partidos que o representam e nos políticos que lideram os partidos políticos. Sistema, partidos e políticos são assim a raiz desta grave doença democrática e qualquer solução para esta demissão sistemática, crónica e potencialmente letal dos cidadãos em relação à democracia tem que abordar estes três vectores.

O sistema democrático no cerne do seu funcionamento, métodos e ferramentas carece de uma reforma urgente que o credibilize e dinamize, transformando-o cada vez mais numa democracia mais participada. Esta reforma deve restaurar a confiança dos cidadãos no sistema e na capacidade, real, de o seu voto influenciar de forma significativa e mensurável a condução dos assuntos públicos. Por fim, deve fazer-se uma reforma democrática que se centre na forma como são escolhidos os eleitos: nos políticos que, de forma profissional ou amadora, se apresentam a eleições e são eleitos para funções representativas. Os “políticos de plástico”, treinados até à exaustão por “consultores de marketing”, abrem a porta a uma superficialidade e um mecanicismo inumano que repelem os eleitores e que os tornam tão iguais entre si que parecem indistinguíveis aos olhos dos eleitores que aturdidos por esse nevoeiro recusam escolher e, consequentemente, votar. Por outro lado, a transferência gradual e, nem sempre transparente, de parcelas crescentes de poder para entidades supracionais e, sobretudo, europeias, reduziu a capacidade de acção dos políticos nacionais e a sua eficácia em transporem directamente os mandatos transmitidos pelos seus eleitores.
É possível fazer mais e melhor para pressionar para baixo os números da abstenção. Assim todos, eleitos e eleitores, o queiramos efectivamente fazer. E ontem já seria tarde demais para começar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR