Esta semana, discute-se em Coimbra, por iniciativa da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS), o futuro dos Centros de Responsabilidade Integrados (CRI). À semelhança do que aconteceu recentemente, a propósito da reorganização das urgências hospitalares, espera-se que deste encontro resulte um conjunto de consensos e recomendações.

A gestão das organizações de saúde é estruturante e preditiva para a obtenção de bons resultados, bem como para a sustentabilidade dos sistemas de saúde. A evolução ocorrida conduziu à implementação progressiva de estratégias com vista a solucionar os problemas emergentes. Contudo, e apesar de sucessos ocasionais, a magnitude nunca foi a esperada.

Um pouco por todo o mundo assiste-se a um aumento exponencial das despesas em saúde que colocam desafios aos diferentes países, na procura de novas formas de organização dos cuidados. Perante isto, emerge a necessidade de novos modelos que forneçam autonomia aos profissionais, em que a organização dos cuidados assistenciais potencie a eficiência e a qualidade, como são exemplo os CRI, e que podem ser claramente propiciadores de cuidados de saúde de qualidade, eficientes, geradores de acessibilidade e cobertura universal, bem como de uma forte índole estratégica.

Em Portugal, a criação do primeiro CRI remonta a 1999, embora as primeiras referências tenham surgido no final dos anos 80 do século XX, no Decreto-lei de aprovação da Lei de Gestão Hospitalar. Na sua origem, os CRI foram criados com objetivos de melhoria da qualidade, do acesso e da eficiência dos cuidados de saúde. Porém, por razões de índole diversa, o modelo nunca teve o ímpeto desejado.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Só no XXI Governo Constitucional, o Ministério da Saúde (MS), liderado por Adalberto Campos Fernandes, onde o atual DE do SNS, Fernando Araújo, assumia as funções de Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, publicou a Portaria n.º 330/2017, de 31 de outubro, que reconfigurou o modelo, fornecendo-lhe um novo impulso de implementação.

Apesar dos escassos resultados publicados, assentes sobretudo nos relatórios públicos da atividade, é possível retirar algumas conclusões e, com algum atrevimento intelectual, efetuar algumas recomendações.

Do lado das conclusões:

  1. A implementação de CRI em áreas clínicas com elevados tempos de espera é promotora de um controlo substancial do acesso;
  2. Globalmente, os dados disponibilizados revelam um incremento positivo em termos de desempenho hospitalar ao nível da eficiência, qualidade, equilíbrio financeiro e, sobretudo, no acesso e na produção;
  3. A existência de uma equipa dedicada e a atribuição de incentivos pelo desempenho promove um alto compromisso com os objetivos estabelecidos e os cuidados centrados no doente;
  4. Para além das vantagens associadas ao desempenho, pode servir claramente outros objetivos estratégicos, nomeadamente a retenção de profissionais no SNS, a resposta a necessidades não satisfeitas da população e o aumento da competitividade interna (gerando externalidades positivas);
  5. As lideranças e o trabalho em equipa (em rede) são fatores críticos para o sucesso.

Do lado das recomendações:

1. Apresentar de forma detalhada, em termos de enquadramento legal, critérios e pressupostos para a distribuição de incentivos (não exclusivos da produção adicional), invocando a transparência intrínseca ao modelo;

2. Introduzir mais indicadores, para além dos tradicionalmente apresentados, de qualidade, baseados no valor e reportados pelo doente, que vão para além da produção, nomeadamente em áreas não cirúrgicas;

3. Aplicar instrumentos de gestão, de forma transversal, que permitam um efetivo apuramento dos custos;

4. Rever as tabelas de financiamento, desatualizadas face à realidade atual;

5. Reduzir a carga administrativa, através da otimização dos sistemas de informação (administrativos e clínicos);

6. Promover os centros de referência como incubadoras para a criação de CRI (interesse estratégico de retenção de talento);

7. Conceber mais linhas específicas de financiamento por condição clínica, a exemplo de outras já existentes;

8. Maximizar a cirurgia de ambulatório, permitindo a libertação de camas e de períodos operatórios;

9. Promover a compra centralizada de consumíveis clínicos, nomeadamente, em contextos de elevado volume e preço;

10. Criar task-forces em áreas clínicas estratégicas para a implementação de CRI, aproveitando o know-how instalado.

Importa ainda relevar em todo este processo o papel a desempenhar por diversos stakeholders, como as Associações de Doentes, a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares e ainda as ordens profissionais, nomeadamente a dos Enfermeiros e a dos Médicos, as quais devem centrar-se sobretudo na promoção de estratégias focadas em colocar o doente no centro dos cuidados.

De facto, parece-me que a tão desejada autonomia reclamada por profissionais e hospitais encontra aqui uma ótima oportunidade de concretização. Depois, será o momento de, com responsabilidade, demonstrar que a Saúde também consegue ter contas certas e, acima de tudo, ser o garante da satisfação das necessidades em saúde da população portuguesa.

A ambição patente da implementação de mais CRI em áreas estratégicas é (mais) uma das boas medidas levadas a cabo pela DE-SNS e MS, com todo o potencial para melhorar os outcomes em saúde. Com toda a certeza, este não será o único caminho para a resolução dos problemas do SNS, nem estará isento de riscos e obstáculos. Contudo, os dados existentes são prometedores e criam esperança no futuro.