No plenário da Assembleia da República, rotulei o Regime de «tosco totalitarismo democrático». Tirando uma breve contestação da deputada única do PAN, Inês Sousa Real, nenhum outro deputado (do PS, PSD, IL, PCP, BE ou Livre) reagiu ao que, noutros momentos, passaria por grave afronta a um órgão de soberania de uma democracia.

Na tradição portuguesa, ignorar o episódio tipifica os regimes apodrecidos: ninguém sai em sua defesa, do coração do poder às ruas. A tropa de choque do Regime, os jornalistas, também vai desmobilizando.

Na minha intervenção no Plenário, comecei por sublinhar que na matriz cívica do Chega, «sociedade» e «instituição» situam-se em campos opostos. Referi que a sociedade é o espaço aberto dos sistemas sociais e políticos, aberto a todos, sem hierarquias nem restrições, onde tudo pode ser revisto, negociado, alterado. É o espaço dos movimentos e ativismos sociais e o lugar inquestionável da democracia.

Referi que, pelo contrário, a instituição só existe se for o oposto. Cada instituição é um espaço fechado em torno de uma missão social específica, espaço reservado aos agentes de dentro que só é funcional quando é gerido de dentro para fora. Concluí a introdução sublinhando que a viabilidade e a qualidade das instituições dependem da hierarquia, da autoridade e da ordem.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Tendo em conta o que se seguiu, fazer tais afirmações no Plenário da Assembleia da República não parece ter valor, significado e consequências distintos de, por exemplo, fazê-las num café de esquina. Tal não se deve apenas à repressão vergonhosa do impacto cívico e social da ação do Chega – a intervenção que fiz no coração de um órgão de soberania tem conteúdo noticioso objetivo –, mas também a uma classe parlamentar hoje fortemente burocrática, assalariada, rotineira, procedimental, cada vez mais apolítica e avessa a quaisquer reformas.

Um Parlamento assim é ele mesmo o coveiro da democracia e dos maiores elefantes brancos do Regime. Milhões e milhões de impostos gastos pelos portugueses num parlamento e eme eleições que acabam em fraude grosseira, posto que numa democracia um parlamento apenas se justifica se for para confrontar abertamente ideias distintas.

O órgão de soberania em causa permite-se quebrar com gravidade o contrato social que ele mesmo estabeleceu com os cidadãos eleitores, e na atual legislatura numa dimensão inacreditável. O atual parlamento está muitíssimo abaixo em utilidade comparavelmente à bem menos dispendiosa Câmara Corporativa do Estado Novo.

O outros órgãos de soberania, como o Senhor Presidente da República, não revelam preocupações mínimas com a marginalização grave do pluralismo democrático na Assembleia da República.

Acrescentei, no meu discurso no Plenário, que a Esquerda nunca disfarçou ser inimiga dos valores institucionais que referi, sendo o Chega a única Direita porque não disfarça o inverso: valoriza a hierarquia, a autoridade e a ordem dentro das instituições, mas não as aceita na sociedade.

Por isso, nunca ninguém viu, nem verá, o Chega colocar em causa a democracia. Critica apenas o falhanço grave das instituições.

Logo, não é possível haver hoje democracia em Portugal omitindo ou marginalizando o Chega do debate político. Ao não reagirem ao Chega neste e noutros episódios, PS e PSD são o rostos por excelência da atual falência da democracia. Não lamento o futuro de nenhum deles partidos política e cada vez mais me convenço que a desaparecimento de ambos será, em si, o verdadeiro impulso renovador da democracia portuguesa desde 1974.

Na intervenção, acusei alguns deputados por utilizarem expressões como «oposição democrática» e «direita democrática» que insinuam contra o Chega. Se, de facto, assim é referi que estaríamos perante propagadores sociais da ignorância, da falsidade, da patologia mental da nossa espécie (que não sobrevive sem hierarquia, autoridade e ordem). A falta de reação de PS e PSD ficará registada na história parlamentar portuguesa.

Acrescentei que o Chega não permitirá à Esquerda, e à Cultura de Esquerda, escaparem à hecatombe institucional que criaram e alimentam que atingiu famílias, hospitais, escolas, justiça, universidades, forças de segurança, forças armadas, empresas, bombeiros, entre outras instituições. Considerei a igreja uma rara exceção contra tal marasmo institucional graças à sua enorme clarividência.

Recorri ao próprio Parlamento para exemplificar a natureza das instituições. Trata-se de um espaço fechado com uma missão social exclusiva, legislar; os deputados são eleitos de acordo com regras muito específicas e funcionam isolados da sociedade, protegidos por barreiras rígidas de quem não é deputado; possui hierarquias, procedimentos e vocabulário próprios; e o Parlamento autogere-se de dentro para fora.

Concluí que a viabilidade e a saúde de todas as outras instituições dependem dos mesmíssimos princípios.

Porém, uma grande maioria de deputados comporta-se como se os princípios institucionais fossem um exclusivo seu, um privilégio do parlamento. Daí que, em minha opinião, política hoje é quase sinónimo de intromissões histéricas e esterilizantes nas outras instituições.

Sublinhei, como retrato típico, a destruição penosa em curso do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), assim como a tauromaquia representar outro caso do narcisismo patológico da atual classe política, e poderia falar no mesmo sentido do futebol (basta lembrar a sua invasão pelo ativismo antirracista).

Cheguei à tese central do meu discurso. Considerava tão disfuncional um sistema político que impõe valores específicos das instituições à sociedade no seu conjunto, valores como hierarquia, autoridade e ordem – é por isso chamamos ditadura ao salazarismo, e muito bem! –, como é disfuncional um sistema político que impõe valores específicos da sociedade às instituições, como a democracia ou o ativismo.

Daí a tese: o atual regime é um «tosco totalitarismo democrático», o que basta para empobrecer um país.

Depois apontei a solução. Disse que são os educadores e professores que podem reverter o marasmo das nossas instituições, mas para isso professores e escolas tinham de deixar de ser barrigas de aluguer de ativistas e demais movimentos sociais.

Referi que o Chega não descansará enquanto o ensino não se libertar da indisciplina e da burocracia. A indisciplina na intimidade das salas de aula corrompe, por gerações, os valores que asseguram a viabilidade de todas as nossas instituições. A burocracia nas escolas modela a prostituição das instituições sociais pelas instituições políticas.

Não percebeu quem não quis. No parlamento. Pelo contrário, aos portugueses comuns é facílimo perceberem a gravidade e natureza dos vícios do Regime, e como não é difícil ultrapassá-los. Desde que vençamos os vergonhosos bloqueios e distorções à divulgação pública do trabalho parlamentar do Chega deste tosco totalitarismo democrático.