Contra as expectativas da maioria dos analistas e comentadores, nas eleições legislativas em Espanha foi o PP que subiu, ainda que não o suficiente para liderar uma solução governativa estável. Relativamente ao acto eleitoral anterior, o grande derrotado foi o Podemos, que perdeu mais de um milhão de votos e falhou o objectivo de ultrapassar o PSOE e conseguir passar a ser o segundo partido mais votado em Espanha.

No entanto, não obstante a extrema-esquerda ter falhado os seus principais objectivos em Espanha, o resultado obtido pelo Podemos deve continuar a ser motivo de preocupação e reflexão. Ainda que não de forma tão dramática como aconteceu na Grécia — onde o extremista Syriza basicamente apagou do mapa eleitoral o PASOK — as últimas eleições espanholas consolidam uma tendência de enfraquecimento da esquerda moderada por contrapartida com o reforço da esquerda radical no Sul da Europa.

A incapacidade dos partidos tradicionais de esquerda moderada susterem o crescimento da extrema-esquerda não pode deixar de preocupar todos quantos valorizam a liberdade. Mas mais preocupante ainda é a tendência mais geral que se tem gerado para a agenda política ser determinada por forças extremistas, visceralmente anti-liberais e profundamente hostis aos pilares fundamentais da civilização ocidental.

Ainda que essa tendência assuma características diferentes em distintos contextos nacionais, a nota comum — partilhada em vários países do Sul da Europa — de crescimento da extrema-esquerda coloca em causa os equilíbrios institucionais que asseguraram a estabilidade dos sistemas político-partidários desses países ao longo das últimas décadas. O caso português, ainda que com particularidades, pode e deve ser analisado também no âmbito deste enquadramento mais abrangente.

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Em Portugal, a posição do PS como principal força partidária da esquerda não está — para já — em causa, mas a mesma tendência materializou-se na radicalização do interior do próprio partido. A opção táctica de António Costa de abrir as portas do poder à extrema-esquerda depois da derrota eleitoral do PS terá inevitavelmente consequências de médio e longo prazo. Alguns desses efeitos são aliás já visíveis na entrega de áreas chave como a educação e os transportes aos comunistas.

A ambiguidade e crise de identidade desencadeadas no PS podem ser ilustradas pelas reacções às eleições gregas e espanholas. Se no caso espanhol o PS congratulou, dentro da normalidade, o seu partido irmão PSOE, já no caso grego as saudações foram para os extremistas do Syriza, ignorando de forma muito pouco elegante o PASOK — que tal como o PS integra a Internacional Socialista — no seu mais profundo momento de crise.

Num momento em que se assiste, no contexto internacional, ao que pode ser classificado como uma revolta transversal contra as forças e elites políticas estabelecidas em vários pontos do mundo — como oportunamente argumentou Hélio Beltrão no Estoril Political Forum 2016 — é decisivo para o futuro dos países do Sul da Europa que não seja a extrema-esquerda a capitalizar esse descontentamento e ocupar o espaço criado. Com a União Europeia mergulhada numa profunda crise e com problemas em várias frentes, travar os processos de syrização em curso deve ser a primeira prioridade política no Sul da Europa.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa