A solução para a falta de “civismo” é o cidadão fazer queixa. É essa a solução encontrada pelo presidente da Junta de Freguesia da Estrela em Lisboa, Luís Newton do PSD, para resolver questões como o estacionamento em dupla fila, as paragens em locais indevidos, a questão de cargas e descargas que bloqueiam portas e janelas, a afixação e distribuição de propaganda, a danificação do mobiliário urbanos ou os cocós dos cães nos passeios.

De acordo com este autarca, chamar a atenção do infrator ou chamar a polícia não basta. Porque “não conseguiríamos ter nem tribunais suficientes para julgar todos estes pequenos casos diários, nem polícias em todas as esquinas para atuarem a qualquer momento”. Assim, a solução encontrada é: não chame a polícia, pegue no telemóvel (ou vá para casa e ligue o computador), abra a aplicação e denuncie! É esta a “Acção Afirmativa” que é proposta aos cidadãos da Estrela “para denunciar todos os que sistematicamente não cumprem a lei e desrespeitam os seus iguais.”. Ficarão talvez alguns cidadãos aliviados com a denúncia… E depois, o que acontece? Quem penaliza as denúncias? A Junta de Freguesia isolada não tem competência para isso. Afixará uma lista de infratores? Serão as denúncias encaminhadas para a polícia e para os tribunais? A primeira que “não chega” e os segundos que “são insuficientes”?

E será apenas na falta de civismo que está a origem de todas estas infrações? Ou terão também origem na inadequação de muito do espaço urbano para grande parte das atividades diárias, no défice de fiscalização ou na desresponsabilização pela formação cívica das populações que vivem hoje num espaço urbano que se alterou e sob expectativas de “civismo” em que muitas delas não foram educadas?

O que fazer então? Qual deveria ser a função de uma Autarquia moderna?

É verdade que o espaço urbano de uma cidade como Lisboa, e em especial nas suas zonas mais antigas, nem sempre se adequa ao tempo e ao espaço necessários à vida dos cidadãos e das empresas. No entanto, o que é necessário, antes de apontar o dedo, é encontrar soluções que permitam que a cidade funcione. Exemplos dessas soluções, que passam sempre pelo reforço e agilização da fiscalização, são as cargas e descargas em horários menos concorridos ou a existência de locais de estacionamento por períodos curtos onde tal seja necessário (por exemplo à saída de escolas, centros de saúde e hospitais).

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É também verdade que existe uma real necessidade de formação cívica. No entanto, essa função pode também passar pelas … Juntas de Freguesia (!). Formar em vez de criar um mecanismo de delação entre cidadãos talvez seja uma boa ideia. Fica mais caro, dá mais trabalho, mas dará melhores resultados. A formação e a passagem de informação útil aos cidadãos podem ser feitas a vários níveis, quer através de ações específicas junto da população adulta, quer através de programas escolares junto dos mais novos.

Não se formam comunidades funcionais com base na desconfiança do próximo e na denúncia. As entidades que gerem as nossas cidades existem para nos representar e resolver os nossos problemas comuns, não para delegar nos cidadãos as suas funções. Menosprezar a fiscalização do espaço público pelas entidades competentes e, em sua substituição, promover “um fiscal em cada cidadão” não é uma solução, é antes uma demissão. Não devemos esquecer que os cidadãos têm a pulsão de cuidar dos espaços cuidados e desprezar os que estão desprezados. As Juntas de Freguesia devem trabalhar para que os cidadãos sintam orgulho na sua freguesia, no seu bairro, na sua rua e não esperar no gabinete pela denúncia.

As comunidades que queremos ter devem basear-se na inclusão de todos e na colaboração construtiva de todos para um espaço público adequado e para uma melhor qualidade de vida. Essa deve ser a prioridade de uma Junta de Freguesia moderna.

Investigadora e dirigente do LIVRE