O bom senso é uma aptidão difícil porque requer adaptação constante perante o que muda. Por estes dias recordei-me desta qualidade em face da demissão de Boris Johnson e da notícia do assassinato de Shinzo Abe. O bom senso é indispensável para o bom uso da prudência, uma virtude que ajuda a que se obtenha o que se pretende ao mesmo tempo que se evitam perigos. Devidamente aplicada, a prudência pode exigir cautela e discrição, mas também acção, impulso, intuição. O instinto de sobrevivência assim o impõe. Ou seja, o bom senso diz-nos que a prudência nem sempre equivale a racionalismo excessivo ou a hesitação. A prudência é a acção certa, no momento certo.

Em 2018 estive no Japão e deparei-me com um país que me deixou sem palavras. Apesar de uma civilização diferente da nossa (europeia), não deixei de me sentir em casa. É um sentimento estranho, as divergências são imensas (os japoneses são amigáveis mas fechados) e ultrapassam-nos em muito do que temos de bom. Há um cuidado com o pormenor, com o concreto que se comprova nas ruas imaculadas, nas filas que se formam à entrada das carruagens do metro, no respeito pelo espaço que cada um ocupa no espaço público, nas árvores cuidadas até que a morte se impõe como inevitável. Praticamente não há crime, mas graves problemas sociais como o alcoolismo e o suicídio, uma pressão social desmedida para com o respeito de certos princípios reguladores da vida. Os Japoneses são excelentes perante o que conhecem, ficam desconfortáveis com o desconhecido ou objectivos difusos e, possivelmente, nem sequer concretizáveis. Talvez por isso o Japão seja rico, mas esteja economicamente estagnado.

Shinzo Abe tentou colmatar essa falha. A sua política económica visava reformas estruturais que passavam por incluir as mulheres no trabalho. Também quis que o Japão fizesse as pazes com a sua história recente tornando-o mais activo a nível internacional. Essa alteração implicaria tensão com a Coreia do Sul e com a China, mas Abe foi cauteloso e soube quando e como recuar. Não esqueceu o papel dos EUA, nem a importância da Austrália e da Índia no equilíbrio asiático. Dentro do possível, Abe mudou o Japão. Fê-lo de forma gradual, de modo quase invisível ao ponto de parecer idêntico com que era no início da década. Shinzo Abe pertencia à elite política do Japão, mas considerado um outsider. Um político prudente porque utilizou o bom senso a favor do seu país.

Boris Johnson também provém da elite (da britânica), estudou nos melhores colégios, viveu num meio com relações próximas do poder, fosse este político, empresarial ou jornalístico. Dotado de uma inteligência ímpar e com uma cultura acima da média tinha as condições ideais para deixar uma marca positiva na história do Reino Unido. O seu brilhantismo evidenciou-se no jornalismo, mas não foi suficiente na política onde disfarçou com extravagância a falta de visão que tinha para propor aos Britânicos. O Brexit terá sido um choque abrupto e radical de quem não sabia chamar a atenção de outro modo. Acabou por fazê-lo com imediatismo e de modo mediático, e não através da acção concreta, continuada, cuidadosa e consistente. Ao contrário de Abe, não aplicou os seus conhecimentos na execução das funções para que o elegeram.

Foi assim que esta semana, o primeiro foi morto na rua enquanto discursava em apoio a um colega e o segundo se demitia por debandada do seu próprio governo.

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