“Olhem para os vosso pastores, como eu olhei para os índios da América”
E. V. Komarek

Assinalam-se cinco anos do mortífero incêndio de Pedrógão. Apesar de gravado para sempre nas memórias de quem o viveu, para a generalidade do país já é algo do passado. Pior, algo que erradamente a grande maioria das pessoas julga ser um assunto resolvido, que poucas hipóteses tem de se repetir. Efetivamente, e não obstante a recorrência destes episódios (mesmo ali, onde já em 1961 um enorme incêndio matou pessoas e animais, destruindo três aldeias), os equívocos e o pensamento mágico não nos deixam aprender com os erros.

Porque isso acontece? Porque somos teimosos, resistindo a olhar o fogo enquanto um elemento da natureza, recusando compreendê-lo; Porque copiamos modelos desajustados à nossa natureza, e perante o fracasso dos resultados achamos que insistir é o caminho (e continuamos na escalada de meios, na aposta no negócio de tostões que é a maioria da nossa floresta, na responsabilização de privados em travar a natureza – que é mais ou menos o mesmo que o culpar a si por deixar uma enxurrada de água passar no seu pedaço e afetar terceiros); Porque são muito mais excitantes conspirações, malandros e corruptos (por exemplo quem romantiza os interesses madeireiros, vá ver como passados 5 anos a madeira lá está toda a apodrecer…). Porque recorrentemente nos falam de medidas bondosas para muitos campos mesmo que não o fogo, o que só desestabiliza o foco numa estratégia com pés e cabeça. Porque somos crédulos, e quando os nossos governantes nos vendem, bem impregnada de ignorância (sim, António Costa, defendendo uma idiotice que fez aprovar ainda na década passada enquanto ministro, nem que a vegetação cresce parece saber), banha da cobra, ficamos descansados: andámos estes cinco anos a ser bombardeados com resultados enganadores, desonestos mesmo.

E afinal a coisa nem é difícil de perceber: para haver incêndios precisamos de dois elementos da natureza – vegetação para arder, e meteorologia para arder. Se viajarmos para sul, para o norte de África, condições meteorológicas (calor, vento, secura) não faltam, mas não há nada para arder no meio de desertos de areia. Já se seguirmos em direção a norte, para a Alemanha por exemplo, a vegetação abunda, todavia não há o nosso verão quente e seco que atrai os turistas alemães, não há condições para arder. É aqui, onde metade do ano somos Europa fria e húmida, seguida por outra metade em que somos Deserto quente e seco, que há vegetação para arder, e condições para arder.

Contudo, se isso é uma antiga realidade, o fenómeno dos incêndios catastróficos é mais recente. Porquê? Voltamos ao ecossistema: há produção vegetal que em determinadas alturas é facilmente combustível, mas também há consumo, ficando o fogo com os restos. Mas se esses restos eram poucos há umas décadas (o homem explorava o sistema extraindo dele lenha para aquecimento, para iluminação, para cozinhar, e matos para o gado que depois, via estrume, garantia a fertilidade do solo agrícola para produzir pão. Andava-se à pedrada por uma moita…), hoje, com largas porções do país abandonadas, restos não faltam, tornando o fogo inevitável (um pequeno esclarecimento aqui, porque a origem maioritariamente humana das ignições confunde muita gente. Todos, mas absolutamente todos os dias, faça chuva faça sol, faça frio ou calor, não faltam ignições – afinal de contas somos homens e o fogo está connosco desde o nosso berço africano, todos os dias se fuma, há acidentes, passam comboios, há bebedeiras, brincadeiras, a eletricidade passa nos cabos, volta e meia abundam trovoadas… Isso é uma coisa, outra diferente é quantas ignições se transformam em incêndios, e que tanto podem ser 2 ou 3 num dia de Janeiro como 200 ou 300 num domingo de Agosto – novamente, é a natureza, ou São Pedro, a comandar o processo).

Compreender o fogo à luz da ecologia não é receber lições florestais de uma país sem fogo como a Alemanha, é olhar àqueles outros países com condições ecológicas semelhantes às nossas paisagens, caso da Califórnia, da Austrália ou do Chile. É perceber o processo para melhor compreender como muitas das nossas políticas, das queimadas aos helicópteros a apagar fogachos no inverno, daquelas coisas que fazem encher o peito a responsáveis mas que não passam de propaganda, acabam por ser contraproducentes, gerando de tempos a tempos monstros imparáveis e devastadores. De sucesso em sucesso até à tragédia final. Para os mais esquecidos, vale a pena lembrar o que foram os anos catastróficos de 2003 e 2005, e como tudo se passou mais ou menos da mesma forma: grande atenção, leis, voluntarismo, etc. de início, a que se seguiram anos calmos em que o sistema ia fraudulentamente cantando vitórias, e em 2017 foi a desgraça que foi.

Nesse dia fatídico, rapidamente apareceu Marcelo a desresponsabilizar toda a gente – coisa que afinal não ficou por ali, já que está em curso um julgamento – e, a apelidar a coisa como “Imprevisível”. É, de facto, tal como um jogo que fazíamos no carnaval com balões de água, chamado a batata quente: não se sabia quando e em que mãos o balão rebentaria, mas uma coisa era certa, continuando a jogar, ele rebentaria de certeza. Com sorte, a batata quente não volta ao colo de Marcelo, mas no de quem lhe suceder. E nessa altura? Será outra vez “Imprevisível”? Ou aproveitará o tempo o nosso presidente, que até lê muitos livros, para estudar um bocadinho mais este assunto, já que não faltam grandes nomes e grandes obras sobre esta temática no nosso país (assim como várias iniciativas no terreno, de floresta, de pecuária, de biodiversidade)? É que o PS já é governo, já tem maioria, talvez não precise de um Presidente para lhe passar a mão das vezes que vai fazendo borrada…

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