A bolha mediática não entende Max Weber: quanto mais compreendemos menos julgamos e vice-versa. Aí reside a fronteira entre a busca permanente da verdade, que se traduz na promoção da inteligência social, e o afundamento quotidiano na alienação, o resvalar do sujeito coletivo para a ignorância e insanidade mental.

Quando o «Programa Eleitoral Legislativas 2022» do Chega foi apresentado não suscitou qualquer reparo da parte dos diversos jornalistas presentes. Pouco menos de duas semanas passadas, a 5 de janeiro, a bolha mediática rendeu-se à epifania revelada por Rui Tavares, do Livre, no debate da pré-campanha com André Ventura, do Chega.

Rui Tavares fez tábua rasa da associação entre o Programa Político (aprovado no VII Conselho Nacional do Chega, em Sagres, a 3 de julho de 2021) e o Programa Eleitoral (apresentado a 23 de dezembro de 2021, em Loures). Um e outro estão profundamente interligados, detalhe explicitado no preâmbulo do último. O que importava a Rui Tavares não era compreender os textos, e muito menos ser honesto. Por isso não teve qualquer incómodo em reduzir tudo nove páginas, o tamanho apenas do programa eleitoral, inclusive ignorando que tais páginas remetem para um outro texto que detalha a reforma do ensino. Basta consultar o site do Chega para verificar o que escrevo.

Atitudes como a de Rui Tavares resumem-se a falácias argumentativas. Tornam-se nocivas para a sanidade mental coletiva quando a bolha mediática não as coloca no devido lugar e, pior, quando cavalga a onda rumo à massificação social da alienação. É aí que a obsessão com o abatimento de André Ventura e do Chega vira jogo sujo, abjeto. Não dei por um único jornalista ou comentador que confrontasse o que Rui Tavares referiu com dados factuais sobre o programa eleitoral do Chega. Nem o famigerado Polígrafo.

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Daí em diante, a bolha mediática transformou a sua alienação em bola de neve, em alucinação social, que está a inquinar a campanha eleitoral. Aos portugueses resta a arma do voto a 30 de janeiro para protegerem a sua sanidade mental.

João Cotrim de Figueiredo (IL), Francisco Rodrigues dos Santos (CDS-PP) ou Inês Sousa Real (PAN) aproveitaram a maré nos debates televisivos com André Ventura (CH).

João Cotrim de Figueiredo, das cabeças portuguesas mais áridas, sempre entretido a trocar o essencial (a condição humana e os equilíbrios da vida social) pelo acessório (o mercado, nem sequer pela economia) mostrou ao que vinha (09-01-2022). Porque a bolha mediática faz-lhe a vontade de quase esgotar os debates no pouco que o sujeito sabe, o mercado, o dito ousou considerar que o programa eleitoral do Chega não tinha «densidade». Ufano, contrapôs um calhamaço com centenas e centenas de páginas, o programa eleitoral da IL, que deveria ter sido apresentado pelo menos com dois anos de antecedência para que os eleitores pudessem lê-lo e digeri-lo até às eleições. Mas o sujeito não entende o quão desonesto é um programa eleitoral dessa natureza.

Um ou dois dos catorze pontos do programa eleitoral do Chega produzirão mais transformações sociais no sentido do reforço da dignidade, da justiça social ou da prosperidade económica do que o tijolo de palavras amontoadas por Cotrim de Figueiredo.

Francisco Rodrigues dos Santos ou Inês Sousa Real também não se distinguiram na mediocridade.

A fechar o ciclo de debates da pré-campanha, António Costa (PS) demonstrou a Rui Rio (PSD), a 13 de janeiro, como tornar o seu partido dono de um documento da República Portuguesa, o Orçamento de Estado, pago por todos nós e elaborado com o apoio de funcionários e organismos públicos, o cúmulo da apropriação soviética do Estado pelos socialistas. E fez-se silêncio na bolha mediática.

A reforma dos programas dos partidos: decisiva, racional, simples

Os programas dos partidos políticos são legítimos quando permitem estabelecer um contrato social efetivo entre cada partido e os respetivos eleitores, por extensão os cidadãos em geral, independentemente do nível de escolaridade destes. Só assim a democracia escapará à subjugação a certas castas parasitas (a bolha mediática é o pior retrato) para ser devolvida ao cidadão comum. Logo, programas eleitorais extensos ou ilegíveis são sintomas inequívocos de uma democracia sequestrada por bolhas minúsculas que destratam a esmagadora maioria.

Para citar um exemplo, um programa eleitoral para a economia não deve estar apenas preparado para ser lido por académicos, economistas, grandes especialistas ou empresários na área, mas também pelo trabalhador comum e pelo cidadão comum. O contrário é matar o princípio da confiança social, e não há democracia que resista a tal vício.

É nesse sentido que nove páginas de um programa eleitoral talvez possam e devam ser diminuídas. Imagine-se o cidadão comum ter de decidir o seu voto em função de um programa eleitoral com 90, 300, 600 páginas que, por natureza, devem estar interligadas entre elas? Esse é o caminho da negação da ideia de contrato social entre quem governa e quem é governado, isto é, o caminho da morte da democracia.

Para ser incisivo, é a qualidade do conteúdo do programa político que é decisiva, característica tanto mais saliente quanto menor a sua extensão nos limites da ideia de contrato social. Nos últimos quarenta anos se os programas eleitorais do PS, PSD, CDS-PP, PCP ou Bloco de Esquerda se tivessem traduzido em fenómenos de mobilização moral, cívica e social adequados Portugal teria ultrapassado, por exemplo, a Suíça em dignidade social, prosperidade económica ou qualidade da democracia. Aconteceu o contrário. Vamos teimar no mesmo?

Contra tal pântano, pela primeira vez em democracia o Chega propõe a distinção entre o Programa Político («quem somos», a parte estável das identidades partidárias, texto correspondente à estabilidade de uma constituição) e o Programa Eleitoral («o que vamos fazer numa dada conjuntura ou momento», o que muda ciclicamente). Fazer tal separação, fundamentar as razões, estabelecer complementaridades inequívocas e agir em consequência é, em si, profundamente renovador.

Essa lógica permite ter programas eleitorais sucintos (conjunturais), ao mesmo tempo que os eleitores têm sempre como referência a estabilidade ao longo do tempo dos programas políticos (estáveis no tempo). A bolha mediática não consegue compreender isso, e tem raiva a quem tenta renovar.

Não será por mero acaso que as nove páginas do programa eleitoral do Chega foram divididas em áreas de governação que o partido considera relevantes (família, moral social, saúde, justiça, economia, ensino, segurança social, defesa, juventude, etc.), sendo que o texto de cada uma dessa áreas começa por um diagnóstico sucinto do estado do país nesse domínio. Tal diagnóstico está sustentado em valores morais ou princípios cívicos, pois são estes que que determinam tudo o resto, isto é, os desafios sociais e políticos que deles decorrem.

O exercício implica distinguir o essencial do acessório, traço fundamental da inteligência, e da inteligência social, que compete aos partidos políticos promoverem através dos seus programas.

É isso que torna possível elaborar diagnósticos sucintos sobre a situação do país que qualquer cidadão pode e deve entender. Não há outra forma dos programas eleitorais serem verdadeiros contratos sociais. Um contrato social, como qualquer contrato, não é um tratado teórico-filosófico-especulativo extenso. É um contrato que tem de ser claro para as duas partes.

Por outro lado, se os princípios morais e cívicos forem claros para quem lê, e se a preocupação for a de distinguir o essencial do acessório, não será necessário apresentar lençóis de propostas ou promessas. Não podemos continuar a admitir que tudo é igualmente dramático e urgente, do tamanho da lata de conservas à reforma da segurança social. Isso permite limitarmo-nos ao mais fácil e inútil, sermos especialistas políticos em latas de sardinhas, todavia eleição após eleição vamos produzindo uma hecatombe na segurança social. E seguimos tranquilos porque cumprimos cinquenta por cento do programa eleitoral!

Não foi por acaso que o Chega tentou que cada um dos catorze pontos do seu programa eleitoral tivesse, no máximo, trezentas palavras. Além disso, um partido político não tem de detalhar propostas para todas as áreas da governação, posto que as omissas são as que esse partido não considera relevantes naquele momento e/ou estão cobertas pelos princípios morais, cívicos e políticos do programa político do partido. É para isso que deve existir complementaridade entre o programa político e o programa eleitoral.

Não deixemos que bolha mediática continue a destruir a nossa sanidade mental coletiva!