O problema dos testes de personalidade é que eles não nos testam. Quando respondemos a perguntas acerca do que somos, não somos testados. Somos testados quando o que não somos nem queremos ser é a resposta mais fácil de dar. O verdadeiro teste de personalidade é a tentação.

Os nossos dias são especialmente desatentos por acreditarem em testes de personalidade que não passam pelo reconhecimento da importância da tentação. Aliás, as nossas personalidades são hoje especialmente desinteressantes por terem deixado de compreender a perigosa pertinência da tentação na tarefa de conhecermos alguém. Até alguém ser realmente tentado a comportar-se contrariamente ao que julga acerca de si, o que ela afirma ser não serve para nada. É um engano, na melhor das hipóteses, bem intencionado.

Também é por isto que pessoas que se apresentam a partir da personalidade que têm e não a partir da personalidade que preferiam não ter pouco ou nada me dizem. Só confio em pessoas que se apresentam a partir das tentações que sofrem, e não dos testes que superam. Como vos disse, testes de personalidade não testam ninguém, tentações sim.

Vivemos, nesse sentido, tempos gnósticos em que os mais ilustres são o que maior gnose reivindicam acerca de si. As pessoas auto-conhecem-se incessantemente, sempre iluminadas acerca da personalidade que têm. Falam acerca do que são e acerca do que sabem, não compreendendo que tudo o que dizem saber corresponde ao engano mais óbvio. Busco pela virtude da auto-ignorância e só esbarro em vícios de auto-iluminação. Haverá pessoa mais desinteressante e mais burlada do que aquela que afirma conhecer-se a si mesma?

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No cristianismo as pessoas que se testam a si mesmas estão no grau mais elementar do equívoco. Interessa sim ir até às pessoas que são tentadas pelo Diabo. Os tentados podem ter um vislumbre, graças à chegada satânica, do equívoco em que permaneciam. O Diabo vem por mal mas a sua chegada pode, pela graça divina, ser tornada em bem. Prefiro os ardis de mil chegadas do Diabo do que a paz do conhecimento burguês dos testes de personalidade.

Jesus, que é Deus feito pessoa, apresentou-se para a sua missão sendo baptizado. Diante de nós estava o criador do mundo (“sem ele nada do que foi feito se fez”). Agora para que o criador se desse a conhecer, o que era necessário acontecer? Um teste de personalidade que o legitimasse juntos dos que por ele foram criados? Não. O que era preciso para o criador se dar a conhecer era uma tentação. Veio o Diabo fazer o seu trabalho que é o de participar no processo de uma verdadeira personalidade se dar a conhecer. Reparem no maravilhoso paradoxo: se Jesus que é Deus se expôs ao Diabo para que a sua personalidade se revelasse, nós, que somos uma vergonha de pessoas, dispensamo-lo? O nosso problema é precisamente esse, o de, ao dispensarmos o Diabo, dispensarmos também a possibilidade de termos verdadeiras personalidades.

É muito triste que nos falte a personalidade ao ponto de não reconhecermos o interesse do Diabo em se aproximar de nós. O nosso maior problema talvez nem seja o de não querermos nada com Deus, mas o do Diabo não querer nada connosco.