Em finais de Abril deste ano, Pedro Nuno Santos foi a uma audição parlamentar falar sobre a TAP. E explicou, com a jactância, o despreparo e a falta de decoro que normalmente emprega na gestão dos negócios públicos, que o Estado português se dava ao respeito na relação com os accionistas e que iria defender o povo português. Foi uma audição simbólica: desvendou o futuro da TAP e mostrou-nos que a cobardia e a falta de preparação são as únicas características que, com rigor, podem ser reconhecidas aos nossos deputados. Tudo o que então já estava escrito nas entrelinhas — ou melhor, estava claríssimo, não fosse o seguidismo clientelar da imprensa — confirmou-se agora.

Por um lado, era então evidente que o discurso da defesa do povo português e do respeito pelo Estado só podia ter — como sempre tem —  um significado quando dito por alguém da craveira de Pedro Nuno Santos: destruir milhares de milhões de euros numa intervenção sem qualquer benefício palpável, de destino incerto e sem sequer apresentar, a priori, algo que se possa assemelhar a ideias para o futuro da companhia. Esta última exigência é abusiva para este Governo: dá muito trabalho e implica deixar de fazer demagogia.

Por outro lado, o destino traçado para a TAP assentava e assenta numa mistificação profunda: a ausência de alternativas ao controlo estatal maioritário. É fácil de perceber que a TAP tem inúmeros problemas que a tornam menos atractiva do ponto de vista económico, mas daí não decorre que só reste o Estado para a controlar. Por uma razão óbvia: a TAP é, apesar de tudo, uma empresa com património relevante (v.g. os quadros técnicos, as rotas) construído ao longo de décadas e que, com vontade e engenho, podia perfeitamente ser vendida, ainda que por um preço baixo e com o Estado a manter uma posição accionista minoritária. Naturalmente — e este é um ponto central —, essa alternativa nunca é equacionada pela única razão que motiva, agora, a intervenção: a ideologia. Neste quadro, é óbvio que o empréstimo é apenas uma forma de justificar a tomada de controlo, obedecendo à sábia doutrina de Pedro Nuno Santos: quem empresta, manda.

Por fim, é legítimo, salutar e natural que o Governo acredite que só é possível ter uma companhia aérea nacional com controlo público maioritário. No entanto, é inaceitável que não assuma descomplexadamente essa opção e a justifique — desde logo no confronto com outras alternativas. Mais uma vez, isso não está, não esteve e nunca estará em cima da mesa: é muito mais fácil tentar vender a ideia de um mírifico e crucial serviço público prestado por uma TAP sob controlo público, serviço esse cuja materialização nunca é — pasme-se — explicada de forma convincente ou aceitável. Seria risível num qualquer outro país que não Portugal — sim, esse mesmo no qual o serviço público de transportes colectivos definha dia após dia e onde, na maior pandemia do século, há quatro mil camas de cuidados intensivos para dez milhões de pessoas.

A intervenção na TAP constitui um epílogo há muito anunciado. Cabe-nos agora, enquanto cidadãos, desenhar um outro: o da reacção contra um acto de gestão irracional e demagógico — o qual acabaremos, como sempre, a pagar com língua de pau.

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