Os anos passam e quase tudo muda. As companhias, as prioridades, os projetos, as rotinas. Quase nada permanece. Mas, por sorte, durante muitos anos, permanece a casa dos pais. Pode até ser que o endereço deles mude, mas a casa dos pais segue sempre sendo a casa dos pais, o que basta por si só.

Na casa dos pais o cheiro é diferente. São cheiros de memórias, cheiros de conforto. O perfume deles invade nosso olfato, por vezes misturando-se com algo que esteja assando no forno. Até o cheiro dos móveis, da madeira, é diferente. É melhor. São todos aromas bem vindos, aromas de casa.

Na casa dos pais o tempo passa num ritmo diferente. Enquanto da porta para fora a pressa é uma constante, daquela porta para dentro, parecemos estar abrigados dos prazos, do trânsito e das infinitas angústias que povoam nossos dias. Naquela casa as tardes ainda são lentas e as manhãs ainda são calmas.

Na casa dos pais os sabores são diferentes. Seja qual for o prato ou o alimento, por alguma razão, ali, os sabores são melhores. Não interessa se é o elaborado bacalhau do almoço do fim de semana ou um simples pão com queijo num fim de tarde de quarta-feira. Tudo o que se come na casa dos pais parece ser melhor.

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Na casa dos pais os assuntos são diferentes. Fora daquela casa, os assuntos estão quase sempre agarrados ao presente e ao futuro. Já dentro daquela casa parece haver espaço para o passado. Trata-se quase de um refúgio para as memórias, que sabem que ali serão lembradas e narradas, gerando riso ou olhos marejados.

Na casa dos pais nossa postura é outra. Se fora dali frequentemente precisamos ser invencíveis, focados, responsáveis e seguros, dentro daquela casa podemos ser vulneráveis. Podemos dizer que simplesmente não sabemos o que fazer — seja com o trabalho, com os filhos, com o casamento, com o vazamento da cozinha. Dentro daquela casa não há julgamentos para supostas fraquezas. Lá, ainda há essa coisa rara chamada acolhimento.

A casa dos pais não dura para sempre. Mas se há algo que ela nos ensina é a cultivar é a capacidade de lembrar. De fechar os olhos e ver-se naquele sofá seguro, comendo aquelas coisas boas, ao lado de alguém que nos faz um cafuné. Não, não dura para sempre em termos físicos. Mas, sorte nossa, dura para sempre dentro do peito.