Não há dia em que não se oiça dizer que a sociedade contemporânea apresenta grande complexidade. Não admira por isso que nos anúncios de emprego se procurem profissões muito variadas, sobretudo, como alguém disse, estetas, terapeutas e gestores; e que em geral pareça que nenhuma actividade pode ser desempenhada a não ser por aqueles que já a desempenham; e que quem não a desempenha seja escarnecido por não saber o que é realmente desempenhá-la; e que ninguém saiba a que repartição se dirigir, ou como se monta uma mesa; e que todos se queixem de não perceber nada do que se passa; e que o centro não se aguente. A complexidade das sociedades é porém uma ideia que as pessoas costumam ter sobre as sociedades em que vivem.

Inversamente, a simplicidade é uma característica atribuída a sociedades em que as pessoas não podem aspirar viver. A simplicidade que os mundos de Giotto ou de Fred Flintstone têm para nós deve-se ao seu carácter inacessível. Têm a reputação de ser simples apenas porque viver na Florença do princípio do século XIV ou na cidade de Bedrock não são para nós possibilidades razoáveis. E se fossem, a única coisa que lá encontraríamos seria uma multidão de nativos a celebrar a simplicidade dos tempos perdidos de Fídias ou do Rato Mickey.

A frase ‘o nosso mundo é complexo’ é como a frase ‘o tempo está diferente.’ A ideia de que o tempo está diferente é uma ideia normal sobre o tempo. Ao tempo é comummente atribuída a propriedade de estar cada vez mais diferente, como ao mundo a de ser cada vez mais complexo. O enorme sucesso público da ideia de aquecimento global não se deve à evidência sobre o aquecimento global: deve-se à coincidência entre aquilo que os cientistas dizem que é o caso e a natureza das nossas conversas normais sobre o tempo. Igualmente, a ideia de que as nossas sociedades são cada vez mais opacas e complexas deve-se à experiência, igualmente corriqueira, de não perceber o que certas pessoas estão a fazer à nossa volta, ou como funcionam certos aparelhos, ou de não compreender certas línguas.

Tal como uma conversa sobre o tempo não é uma ciência do tempo, assim as nossas conversas sobre a complexidade do mundo não são conversas sobre o mundo; ou, mais exactamente, são conversas em que só dizemos a verdade por acaso. São conversas em que comparamos coisas mas em que não nos nos passa pela cabeça arranjar uma escala para as comparar; nem aliás saberíamos onde a encontrar. Dizer sem mais e com gravidade que o mundo é complexo, ou que a sociedade contemporânea apresenta grande complexidade, não é falar sobre o mundo; é queixarmo-nos do mundo; ou em alternativa recomendarmos aos outros a nossa coragem por termos nascido em alturas tão complexas.

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