Com mais de 515 milhões de casos de COVID-19 confirmados em todo o mundo e ultrapassados dois anos de esforço da comunidade para tentar vencer esta pandemia, temos também mais informação sobre a dimensão do impacto clínico da infeção pelo vírus SARS-COV 2. Sabemos, por exemplo, que ocorrem frequentemente alterações a nível cardiovascular, sendo a inflamação do coração – conhecida como miocardite ou pericardite – uma das situações mais comuns. Encontramos ainda registos de várias outras complicações, como o enfarte do miocárdio, as arritmias, a insuficiência cardíaca, os eventos tromboembólicos – e até a “miocardiopatia de stress”, em que o doente se apresenta com um quadro clínico de enfarte agudo, apresentando dilatação do coração, mas sem entupimento das artérias coronárias.

Para além dos acontecimentos na fase aguda da doença, têm sido descritas palpitações cardíacas e cansaço fácil depois do quadro inicial, numa fase de recuperação em que já não há critérios de infeção ativa pelo vírus.

Na verdade, se todo o processo agudo pode desencadear arritmias ou lesão do músculo cardíaco, detetados através de exames de diagnóstico como o eletrocardiograma e registos de 24 horas, análises de marcadores de agressão do coração (como a troponina) e técnicas de imagem cardíaca, nomeadamente com o ecocardiograma e a ressonância magnética, também há hoje evidência de que alguns casos, mesmo tendo exames normais, apresentam durante muito tempo sintomas de cansaço anormal, dor no peito, palpitações e um mal-estar geral difícil de definir. E que nos dizem nas consultas: “Antes tinha uma vida ativa, normal e agora algo se passa comigo”. São estas pessoas que, mesmo depois de uma infeção com sintomas ligeiros, se mantêm com queixas de longa duração onde predomina a fadiga sem explicação aparente.

 

O que sabemos hoje das complicações cardiovasculares da COVID-19? Estima-se que cerca de metade dos doentes hospitalizados com infeção aguda apresentam níveis elevados de troponina no sangue – indicando possível lesão do miocárdio – resultante de miocardite ou insuficiente irrigação sanguínea do coração.

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A presença de patologia cardíaca prévia, a hipertensão arterial, a obesidade e a diabetes são fatores associados a maior risco de complicações causadas pela COVID-19. Além dos problemas respiratórios graves presentes em parte dos doentes, são também estes quadros complexos de envolvimento cardíaco, com arritmias, enfarte, formação de coágulos ou insuficiência cardíaca aguda, que implicam internamento em unidades de cuidados intensivos, muitas vezes com necessidade de suporte cardíaco, respiratório e renal, por falência destes órgãos num quadro clínico de extrema gravidade, de mortalidade elevada.

Mesmo após alta hospitalar estes doentes necessitam de acompanhamento em cardiologia por forma identificar a extensão do envolvimento cardíaco e otimizar a terapêutica, no intuito de melhorar o desempenho do coração.

Ainda não são bem conhecidas as manifestações cardíacas pós-COVID-19. No entanto, há a evidência de que mesmo as pessoas  que não necessitaram de internamento hospitalar têm um risco maior de eventos cardiovasculares no primeiro ano após a infeção pelo vírus. O que significa que o aparecimento de sintomas de fadiga permanente, palpitações ou dor no peito justificam uma avaliação cardiológica para procurar identificar possíveis sequelas resultantes do processo inflamatório.

Têm sido ainda descritas queixas de dificuldade respiratória, fadiga extrema, tonturas, insónias e mesmo alterações mentais, na capacidade de concentração ou na memória, que persistem – e que se incluem no que se designa por quadro de “Long COVID-19”. A duração desta sintomatologia é variável, podendo estender-se por meses. Não se conhecem bem os mecanismos que causam este quadro, mas parece haver envolvimento neurológico da infeção, afetando o normal funcionamento do sistema nervoso autónomo, que se sabe regular toda a atividade da dinâmica cardiovascular.

É importante excluir a presença de lesões cardíacas resultantes da infeção e procurar manter alguma atividade física regular, começando por caminhadas de curta duração, sem pressas, aumentando o tempo e intensidade do exercício de forma gradual.

É importante manter períodos de repouso e manter a confiança de que, com tempo e perseverança, vai recuperar e melhorar a qualidade de vida.

Não exija demasiado de si.