Aquando da minha participação num grande fórum de discussão política que acontece anualmente em Łódź, no centro da Polónia (o Freedom Games organizado pela Liberté Foundation), e num painel com investigadores e politólogos do país anfitrião, da Hungria e da República Checa, houve um momento de alguma consternação quando argumentei, sobre o que pode aprender o leste da Europa com o que aconteceu nos Estados Unidos: “cuidado com as argumentações de que os votantes de Trump, ou de Órban, ou Morawiecki, quando votam em populistas o fazem maioritariamente por questões económicas. Isso não é completamente verdade”. Há também questões sociais, culturais e éticas, e a tendência por parte de eleitorados de votar em candidatos que refletem modelos autoritários de governação, seja porque querem viver nesse tipo de sociedade, ou porque querem obrigar aqueles com quem não concordam a viverem sobre esses regimes.

Numa sondagem realizado durante o mês de setembro de 2021, pelo Public Religion Research Institute, com uma amostra representativa de 2508 respondedores, 68% daqueles que se identificaram como Republicanos acreditam que a “eleição foi roubada a Donald Trump” (48% concordam completamente, 28% concordam maioritariamente) e, francamente mais assustador, 30% concordaram com a frase “porque as coisas estão a sair do rumo certo, verdadeiros patriotas Americanos podem ter de recorrer à violência para salvar o país”.

À medida que caminhamos para 2024, e antes disso, nas eleições intercalares de 2022, cada vez são mais as vozes que avisam que o fascismo chegou à América, e que se não for combatido de uma forma determinada e frontal, a experiência americana de governação poderá estar a acabar. E estas vozes não vêm de think tanks democratas ou liberais mas de constitucionalistas, historiadores e analistas, e desde as páginas do New York Times, Washington Post, até a este lado do Atlântico, no The Guardian. Esta disponibilidade para assistir, ou auxiliar, à erosão da democracia e das instituições democráticas não se observa apenas nos membros da “nação MAGA”, com a adoração destes para com o líder indiscutível do movimento conservador e partido Republicano e com as suas armas e vontade de exercer violência política. Observa-se igualmente naqueles que se encontram nas posições certas para permitir que a democracia seja anulada em favor de uma tomada de poder por uma via “democrata”.

No Estado da Geórgia, a legislatura Republicana atribuiu mais poderes às comissões eleitorais partidárias, que são controladas por Republicanos. Como resultado, em cinco condados do Estado e onde as votações são maioritariamente a favor do Partido Democrata, os membros Democratas das comissões eleitorais foram substituídos por Republicanos. No Estado do Arizona, a legislatura, dominada por Republicanos aprovou uma lei que transfere o poder de fazer cumprir os resultados eleitorais da Secretária de Estado, Democrata, para o Procurador-Geral, um Republicano. Os Republicanos em Wisconsin querem aprovar leis para eliminar a comissão eleitoral bipartidária do Estado, para passar assim para controlo de Republicanos. No Estado de Michigan, as autoridades Republicanas têm nomeado para posições de decisão na certificação de resultados eleitorais os seus membros, que defendem que a eleição de 2020 foi “roubada”. Trump tem dado o seu apoio apenas a candidatos para Secretário de Estado em Michigan, Geórgia, Arizona e Nevada, que acreditam no mesmo.

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Cada vez é mais clara a “estratégia” por parte de Trump e de “Trumpistas” de, se necessário, ignorarem o resultado de eleições e passar para legislaturas, ou legisladores, Republicanos a possibilidade de serem eles a nomear os eleitores para o Colégio Eleitoral, em contravenção do voto popular. As teorias (e acusações) infundadas de fraudes eleitorais em 2020, não tendo sido suficientes na altura para reverter a vitória de Biden, servem agora para colocar em movimento o processo para que o mesmo não aconteça da próxima vez. Aqueles que tiveram a coragem de fazer o que era correto e resistiram a pressões por parte de Trump e dos seus acólitos foram afastados das suas posições pelos Republicanos. A Casa dos Representantes, tirando Liz Cheney e Adam Kinzinger (a primeira removida do Partido Republicano no Wyoming, e o segundo a caminho de não concorrer novamente ao lugar) está solidamente unida atrás do presuntivo candidato. Trump tem o domínio completo do partido, tanto da “base” como do aparelho.

Os Republicanos no Senado, tirando honrosas exceções, são incapazes de fazer frente ao líder do partido, por muito que este mereça ser impeached ou criticado pelas suas ações, tal como extorquir o líder de um pais em necessidade fazendo condicional apoio militar em troca de investigações fantasmas, ou de incitar uma insurreição para impedir a contagem dos votos do Colégio Eleitoral no Congresso. E Trump não tem só o partido nas mãos, mas também os doadores e a imprensa conservadora, desde FOX-News até às nascentes (e crescentemente histéricas) Newsmax e OANN. E o antigo Presidente tem também outras motivações: o gerar receitas para os seus negócios por deter a Presidência, a impunidade política de ser o Presidente em funções, o controlo das instituições federais, tal como o Departamento de Justiça, o Departamento do Tesouro, o Departamento de Estado, que durante a sua Administração tudo fizeram para o proteger.

Robert Kagan alertou recentemente, nas páginas do Washington Post, que “A nossa crise Constitucional já cá está”. Os seus receios são partilhados por outros analistas. O inverno de 2024 pode ser um dos piores períodos da história dos Estados Unidos, só comparável à Nullification Crises durante a Administração Jackson, ou a Guerra Civil durante a Administração Lincoln. A possibilidade, real, de o processo de escolha de líderes pelos eleitores numa democracia representativa ser ignorado, ou até de a violência política ser uma solução plausível, deixa inquietos aqueles que acreditam em transferências pacíficas de poder, na ordem liberal e na alternância democrática. A situação nos Estados Unidos faz lembrar a famosa frase, atribuída a Benjamin Franklin à porta da Independence Hall depois da Convenção Constitucional de Filadélfia de 1787: os Estados Unidos serão “uma República, se a conseguirmos manter”.