A verdade é que, uma vez pais, não somos pais para sempre. Seríamos, se isso quisesse dizer que a biologia ou a as histórias que se dividem seriam o “quanto baste” que nos garantiria o estatuto de pais. E não é verdade. Tornamo-nos pais à medida em que damos provas que merecemos ser pais. E se, durante grande parte da infância dos nossos filhos, regra geral, isso não merece contestação, à medida que eles crescem, ora nos reconhecem como pais ora não nos sentem capazes de o ser. Tudo depende daquilo que lhes damos.

Tenham a idade que tiverem, os nossos filhos, ao olharem para nós, precisam de se sentir reconhecidos no que pensamos, no que recebem de nós e naquilo que fazemos. Para que sintam, em cada bocadinho de tudo o que é nosso, que somos “os seus” pais. Que merecemos a admiração indispensável para que eles queiram identificar-se connosco. E — sem que tenham, até, consciência disso — para que queiram ser como nós.

E se, até à adolescência, o desejo de merecermos essa admiração é assumido por nós e nos merece uma determinação sem tréguas e o maior dos orgulhos, à medida que os nossos filhos crescem, “preguiçamos” demais. Vamos aceitando, com tristeza, que não seja assim. Mas exigimos pouco. E aquilo que nos legitima como pais parece ir ficando mais ancorado no passado do que  transformar-se, todos os dias, em novos argumentos que nos tornem mais e melhores pais.

A pergunta que se pode colocar será: mas se eles parecem ir deixando de nos reconhecer como pais, nalguns dos nossos actos, isso quer dizer que, podemos “morrer”, aos poucos, dentro deles? A resposta é: sim! E se muitos “bocadinhos” de nós forem morrendo, dentro deles, um dia — quando morrermos, realmente — ao mesmo tempo que terão saudades daquilo que não viveram connosco, limitar-se-ão a atestar um óbito que se foi dando, com a ajuda de todos, debaixo do seu nariz. Logo, aceitarmos que os nosso filhos não nos reconheçam não é opção.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A verdade é que, do mesmo modo, uma vez filhos, não somos filhos para sempre. Seríamos, se isso quisesse dizer que a biologia ou as histórias que se dividem seriam o “quanto baste” que nos garantiria o estatuto de filhos. E não é verdade. Tornamo-nos filhos à medida em que damos provas que merecemos ser filhos.

Logo, igualmente grave, os nossos filhos também podem não ser “nossos” filhos para sempre. Basta que — ao olharmos para os seus actos, ao indagarmos sobre as suas relações ou ao ficarmos por aquilo que eles pensam, simplesmente — tenhamos a sensação que deixaram de ser tão bonitos como aquilo que eram. O mesmo acontecendo quando nos perguntamos se seríamos capazes escolher amigos com muitas das características que, entretanto, se tornaram suas, e a resposta for não. Tragicamente, à medida que desistimos de interpelar, de advertir ou de corrigir, desistimos dos nossos filhos, aos bocadinhos. Como se, aos poucos, não nos reconhecêssemos em muitas coisas deles. E, com isso, deixássemos que eles deixassem de ser “nossos”.

Ora, não deve ser por acaso que são as pessoas da “meia idade” que mais falam da “crise dos valores”. E que mais o façam no Natal. É claro que falarão, também, por causa de tudo aquilo que não devia acontecer na relação entre as pessoas. Mas, curiosamente, há uma aragem de azedume que as leva a passar para os valores aquilo que sentem, mais intimamente, nas suas relações. Quando olham para os seus pais e nem sempre se reconhecem como suas filhas. E, quando olham para os seus filhos, e nem sempre se reconhecem como seus pais. Como se fossem, ao mesmo tempo, o fiel da balança entre três gerações e, em vez de sentirem acompanhadas, por dentro e por fora, não deixassem de sentir numa imensa solidão. As pessoas estão lá. Mas os valores que as transformam, umas às outras, em pessoas da família é que não.

Resumindo: como podemos pegar na crise dos valores da família (tão estranhamente mais nítidos nesta altura) e transformar as relações entre os pais e os filhos em valores do Natal? Não perdendo de vista que a primeira função dos pais é estarem vivos. Que a segunda, darem (o) que pensar. A terceira, não criarem barreiras aquilo que se sente. A quarta, deixarem que se imagine. E, finalmente, a quinta, pensarem com os filhos (mais do que pensarem nos filhos). De forma a que, em relação a cada um dos seus entendimentos, e antes de qualquer pergunta, eles ponham problemas e nos coloquem em dúvida. E para que, de problema em problema, e seja qual for a sua idade, deixem de nos reconhecer como pais pela legitimidade biológica ou por uma história que construímos com eles. Mas, sobretudo, porque nos sentem operários, incansáveis, do seu “norte”. Com o qual se movimentam, por entre tudo o que pensam, sem meias-verdades. E sem corrimãos. E sem que nos sintam, por omissão, a desencontrar do seu futuro.