Há alguns anos estava no metro do Campo Grande (sim, é verdade, sou de direita e liberal e ando de transportes públicos) quando, à minha frente, uma rapariga ficou indignada ao ver uma beata acesa no chão. Ela teve dificuldade em conter a fúria enquanto o namorado a olhava, apreensivo de certo e certamente decidido em ir pregar para outra freguesia. Aquela beata no chão do metro do Campo Grande pode ter-lhe salvo a vida. Já nós ficámos tramados. Digo nós, apesar de não fumar, porque as proibições, quaisquer que estas sejam, além de nascerem de visionários deste calibre, acabam por recair em cima dos não infractores.
Passaram vários anos e o PAN conseguiu que fossem aprovadas multas contra quem atire beatas de cigarro para o chão. As multas começam nos 500 euros e, como paternalmente André Silva (o deputado do PAN) nos explica, o importante não é o valor (então por que não se ficaram pelos 5 euros?) mas o pôr fim à “permissividade social”, esse atrevimento que é a maioria das pessoas não darem o devido valor às preocupações de André Silva. Agora já sabemos: quem não o fizer é multado, mas com a atenuante de o valor a pagar não ser o mais importante. O importante é que, depois de desembolsarem 500 euros, não voltem a repetir o acto. É uma maneira de sensibilizar como outra qualquer.
Claro que para o PAN as beatas são terríveis; são mesmo como “um dos resíduos mais tóxicos” e, pior que tudo, “é o mais encontrado em zonas costeiras, à frente das palhinhas e das cotonetes”. Há quem morra nas listas de espera dos hospitais, mas o PAN preocupa-se com as cotonetes na praia. Nesta questão das beatas no chão há um facto que é mencionado apenas de passagem: é que piorou com proibição de fumar em espaços fechados. Como tal já não se pode fazer, as pessoas, esses seres terríveis, insensíveis e que o PAN tem de sensibilizar para que dêem o devido valor àquilo em que o PAN acredita sob pena de multa, começaram a fumar na rua deitando as beatas para o passeio ao invés de o fazerem para o cinzeiro. Ou seja, perante um problema que se originou com uma proibição qual é a solução encontrada? Uma segunda proibição. Proíbe-se; se acaso surgirem imprevistos, proíbem-se os imprevistos. E com multa, claro. Não pelo valor da multa, mas porque é preciso sensibilizar as pessoas. Dito de outra forma: inculcar no cidadão um sentimento de culpa por algo que lhe passava totalmente ao lado.
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