Gosto de flores. Sobretudo de campestres. E as flores gostam de mim. É por isso que tenho dois Pinheiros gigantes, que pus na terra por pena, depois do Natal, já quase secos (um nórdico, um mediterrânico). Que uma plantazinha desconhecida de 5 centímetros que me mandaram num qualquer Dia da Árvore é hoje um Azevinho protegido de dois metros. Que há roseiras nascidas dos pés que corto depois de fazer os ramos para lhe pôr na campa.

Sim. Este texto é sobre o meu pai. Demorei sete anos para o escrever. Para dizer qualquer coisa mais estruturada publicamente. Até agora, limitara-me a partilhar as armarguras da minha irmã. A fazer uns likes sentidos de alguém aqui e ali nas redes sociais. A deixar nas minhas uma foto ou uma palavra que só eu sabia porquê. Não o fiz por razão nenhuma em particular. Apenas porque não faz o meu género. Não desabafo nas redes sociais. Não sou de falar de mim, nem gosto de partilhar a minha vida pessoal.

Agora simplesmente aconteceu. Apeteceu-me. E a culpa é das Acácias. Das Mimosas, como lhe chamamos no Alentejo. Estão todas floridas, como sempre a partir de meio de fevereiro, quando ele morreu. E fazem lembrar-me ainda mais as saudades que tenho dele, o adeus que lhe disse naquele olhar que não me deixa, naquele fim de tarde do dia 15.

Odeio o inverno. Costumo dizer que se um dia for rica andarei atrás do sol pelo mundo. Para fugir a esta estação que me deixa angustiada, abalada, desmotivada, desnorteada e outras coisas, todas más, acabadas em ada (e não só). As Acácias floridas são para mim o primeiro sinal de que o frio está quase quase a acabar. As Mimosas e aquelas Amendoeiras bravas de flores brancas ou rosa. O meu pai também gostava de flores. E nesta altura costumava trazer-me sempre de umas ou outras.

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Eu sabia que ainda era cedo. Que as Mimosas e as Amendoeiras, depois de colhidas, muito depressa murchavam, deixavam cair as flores, entristeciam-me de novo. Mas aquele dia, dia e meio, em que me perfumavam a casa e antecipavam a primavera em que começávamos a festejar eram a brisa suficiente para me animar. Ele fazia isso, entre tantas outras coisas, por mim.

Porque depois era sempre em festa na alegria do sol até ao inverno seguinte. Começávamos no fim de fevereiro, março era em grande, com o dia do Pai, os anos dele (faltou tão pouco para os 70) e depois a Páscoa, entre jarros, jacintos, bolbos de todas as espécies, tulipas. Depois vinham os meus anos, os da mãe, os da Sofia, da Carolina, do Tiago, do Rui e da Ana. Tanta cor, tantos cestos de flores que ele fazia. Me fazia. Acabava tudo no dia dos mortos, que ele gostava de homenagear. Com flores, claro, por isso também lhe levo tantas.

Agora as Acácias estão outra vez floridas. Não lhe levo ramos delas porque murcham num dia. E o cheiro se perde naquele cemitério branco e frio. Mas fazem-me tanto lembrar ainda mais dele. Por isso este texto surgiu assim. Sem ser por nenhuma data específica. Só por vê-las.