Primeiro a pandemia, depois a guerra, agora a inflação e a crise energética. Perante esta situação todos os governos europeus e respetiva comissão europeia se esforçam para delinear estratégias para mitigar o problema e ajudar financeiramente os cidadãos.

O primeiro-ministro, António Costa, anunciou na segunda-feira, dia 5, que no mês de outubro será atribuído um cheque extra de 125 euros a todos os cidadãos com rendimentos até 2.700 euros mensais. A medida faz parte do megapacote de apoios aprovado no Conselho de Ministros extraordinário para mitigar o impacto da inflação.

Quer isto dizer que o governo terá em conta a declaração do IRS. Aqui está o verdadeiro problema. Em Portugal, continuamos a considerar a declaração de IRS praticamente como único instrumento para obtenção de determinados apoios do Estado.

No entanto, como todos nós bem sabemos, a declaração de IRS não é uma forma fiável para que se possa avaliar o merecimento ou não de apoios sociais ou de qualquer outra espécie. Com efeito, todos nós conhecemos casos, uns públicos outros nem tanto, de pessoas que ficam fora desses apoios por míseros euros, tratando-se normalmente de pessoas que trabalham por conta de outrem, enquanto, por outro lado, temos contribuintes reconhecidamente milionários a apresentarem-se em comissões parlamentares e a declararem que auferem um valor equivalente ao salário mínimo nacional ou pouco mais, mesmo quando são administradores de várias empresas…

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Mas, na realidade, se por um lado condenamos este comportamento, por outro, a sensação que fica é que seríamos os primeiros a fazer o mesmo, assim pudéssemos. É cultural e é pacificamente aceite. Mesmo que as leis o permitam é um procedimento moralmente condenável.

Pergunto se alguém pode achar justo que um contribuinte, pessoa singular ou empresário em nome individual, não emita fatura, preste um serviço sem IVA, exerça uma atividade comercial não declarada, omita recibos de arrendamento e não declare o respetivo contrato, que receba parte do salário sem sujeição a impostos e declare apenas o ordenado mínimo para assim poder indevidamente receber subsídios e apoios sociais?

A resposta é claramente não. Não é justo e piora quando no prédio ao lado temos um outro contribuinte que, trabalhando por conta de outrem, declara exatamente aquilo que aufere e com isso fica muitas vezes fora da órbita dos apoios sociais ou medidas extra como esta apresentada recentemente.

Parece-me que, ainda mais numa época de crise, é urgente que se olhe para esta questão com seriedade e vontade efetiva de a corrigir. Seria importante estudar a possibilidade de se encontrarem outros instrumentos, que atestem a real situação financeira das famílias, para que estes tipos de processos se tornem mais justos, dando possibilidade de acesso aos que realmente necessitam.

Um sistema que não se limitasse a verificar os rendimentos recebidos, mas também levasse em consideração a situação económica e, portanto, também os bens, imóveis e móveis, que se encontrem em nome da família, assim como as empresas que estejam no nome de familiares, até ao segundo grau.

Assim, garantir-se-ia com mais rigor que a situação declarada é o mais próximo possível do real. Com este sistema passariam a ser contabilizados não só os rendimentos do trabalho, mas também os dos negócios, os depósitos bancários e os eventuais investimentos.

Dir-me-ão que o Estado teria dificuldade em apurar toda a situação por falta de meios. Mas e se cada um de nós fosse também um “fiscal”, alguém que zelasse pela saúde financeira do estado e por conseguinte de todos nós.

Poderá estar a pensar que seria uma verdadeira terra de bufos, mas na realidade seríamos apenas uma sociedade mais comunitária em que todos olham por todos, tornando-a um pouco mais justa e sobretudo garantindo que apenas quem realmente precisa possa usufruir dos apoios do Estado, que não são mais que o apoio que todos nós podemos dar. Porquê entregar o dinheiro ao Estado para gerir se a cada passo dão sinais de que não o sabem “gastar”?

Esta ferramenta, poderia bem ser o ponto de partida para que se tornasse todo o sistema fiscal e social mais inclusivo, sério e justo. Não podemos continuar a ignorar esta questão, que tanto prejudica uns em benefício de outros, que ainda se vangloriam dos seus feitos de “fuga” aos impostos.

Entretanto, se continuarmos a perceber que quem poderia e deveria resolver esta situação continua a assobiar para o lado, bem podemos começar a denunciar aqueles casos que vamos conhecendo.

Fazendo uma pequena pesquisa na internet ficamos a perceber quem pode denunciar e quais as situações que o cidadão comum pode identificar.

Quem pode denunciar?

A lei é clara: “Qualquer pessoa pode denunciar contraordenação tributária junto dos serviços tributários competentes” (art. 60.º, n.º 2 do RGIT). É um dever cívico do cidadão denunciar ilegalidades de natureza fiscal, quer o afetem diretamente ou não.

Estas são algumas das situações que o cidadão comum pode identificar e denunciar:

  • Omissão de emissão de fatura;
  • Prestação de serviços sem IVA;
  • Não entrega das retenções de IRS efetuadas sobre o salário do trabalhador;
  • Comércio de produtos contrafeitos;
  • Exercício de atividade comercial não declarada;
  • Omissão de emissão de recibos de arrendamento;
  • Contrato de arrendamento não declarado;
  • Manifestações de fortuna;
  • Receber parte do salário sem sujeição a impostos e declarar apenas o ordenado mínimo;
  • Utilização indevida de subsídios e apoios sociais.

(Fonte: Economias.pt)