Em comentário ao meu último artigo surgiram de novo pessoas a duvidar dos dados estatísticos apresentados por mim e a acusar-me de «ignorante» ou «mentiroso»… Já com o artigo anterior, em que lidava também com os temas relativos à despesa pública e ao «estado social», acontecera a mesma coisa. Claro, que eu poderia ter-me enganado, como toda a gente, mas felizmente outros leitores aperceberam-se da leitura precipitada dos pretensos críticos e repuseram a verdade dos factos, aliás dignamente reconhecida por alguns dos que discordavam da minha argumentação. Estamos, pois, entendidos quanto à base informativa das minhas opiniões. Pode-se discordar destas últimas, mas não da primeira. Este é o esclarecimento devido aos leitores, mas gostava de prosseguir com alguns complementos acerca da desestatização.

A medida mais necessária para relançar em novas bases o nosso sistema social e económico seria uma revisão constitucional que desbloqueasse o sistema político-partidário após quatro décadas de congelamento. Desafortunadamente isso não irá ocorrer, muito menos por obra dos actuais partidos políticos, apesar de propostas simples como eu próprio já fiz ou outras mais complexas como apresentou há dias Manuel Braga da Cruz.

Como isso não vai acontecer, infelizmente, o mais importante que está à nossa frente – e que ou será feito, ou iremos de volta onde Sócrates e o PS nos deixaram – é aquilo a que chamo deliberadamente a desestatização, ou seja, a redução da despesa pública directa e indirecta que nos levou à bancarrota. Isso exige a saída do Estado de inúmeros sectores produtivos susceptíveis de ser confiados à iniciativa privada a fim de que a classe política, pertença ela a que partido pertencer, deixe de controlar económica e socialmente a população, através do emprego público e para-público, assim como um sistema opaco e iníquo de pensões e subsídios, os quais, no seu conjunto, estão claramente acima de metade da despesa pública, ou seja, um quarto do PIB!

Em desespero de causa, um dos meus contraditores restringiu o seu argumento ao custo com os chamados «funcionários públicos», afirmando que «Portugal está em linha com a média da UE». Como neto, filho e eu próprio «funcionário» depois do 25 de Abril, concordo e não concordo. Estaremos em média aritmeticamente com a UE, mas quem conhece a administração, bem como as «empresas públicas», sabe que há demasiadas diferenças entre os funcionários do «front office» e os do «back office» para os confundir e sabe também que a categoria dos «técnicos superiores» – oriunda do salazarismo, com os seus privilégios devidos à raridade e efectiva tecnicidade das licenciaturas – se multiplicou sem freio e deu lugar à principal forma de emprego clientelar que caracteriza o actual regime. Foi esse o principal mecanismo de aumento da tal «nova classe média» a que todos se referem, com razão, como o cerne do sistema partidário e eleitoral!

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A percentagem do PIB dedicada ao funcionalismo público estará porventura «em linha com a UE», mas Portugal está desalinhado em tudo o resto, desde o PIB até ao montante da dívida pública, passando pelo défice comercial originado pelas importações de bens de consumo sem contrapartida em exportações. A despesa pública, em baixa graças ao ajustamento em curso, já tinha ultrapassado metade do PIB, conforme comparação com a UE por Augusto Mateus e os seus colaboradores. Com base nesse excelente trabalho, eu próprio tirei algumas conclusões de natureza sócio-cultural que não deixam dúvidas quanto à extrema dependência da classe política, das suas clientelas e de uma boa parte da população em relação aos gastos estatais e à consequente dívida externa.

Por lamentável que assim seja, a verdade é essa! Acrescento, porém, outro desenvolvimento. Não pretendo que a situação de controle exercido pelos partidos políticos actuais – todos eles, mesmo os que não pertencem ao «arco de governação», mas têm presença saliente nas instituições estatais e na comunicação social – é equivalente à de Salazar, que ainda conheci durante tempo que me chegasse. O salazarismo era uma ditadura ultra-reaccionária de cariz fascizante, forçada a evoluir depois da Guerra Mundial mas que regrediu rapidamente com a Guerra Colonial.

O controle rigoroso que a ditadura exercia sobre a sociedade não era tanto social e económico como eminentemente político e ideológico: quem discordava era punido, às vezes assassinado; muitos saíram do país por causa da repressão. Num regime eleitoral, o controle não se faz dessa maneira. Tem de ser difuso: social, económico, clientelar e comunicacional, propagando-se a «opinião publicada» através de veículos privilegiados, incluindo os estatais. Por isso, a democratização da sociedade terá de passar pela desestatização. Ou não passa, com todos os custos que o controle estatal tem!