Na estratégia política, é importante considerar os ciclos. No ciclo 2015/2019, as eleições gerais ordenaram-se assim: legislativas, presidenciais, autárquicas, europeias e de novo legislativas. No ciclo actual de 2019/2023, a ordem é: legislativas, presidenciais, autárquicas e legislativas de novo. Para os vencedores no início de um ciclo, o pensamento é manter, consolidar e ampliar a vantagem ao longo de todo o ciclo, para repetir a vitória no fim. Para os não vencedores, a prioridade é inverter a relação, passar para a frente nas eleições intercalares para poder embalar e aspirar a vencer no fim do ciclo.

Já escrevi várias vezes que o erro capital cometido à direita na análise e compreensão do quadro resultante das legislativas de 2015 foi a ideia de que a coligação PSD/CDS ganhou essas eleições. Não ganhou. Foi a mais votada em termos relativos, mas não ganhou. Surpreende-me como ainda hoje, passados mais de cinco anos, depois de tantas evidências desse erro (a última surgiu nas regionais dos Açores), muitas pessoas – algumas muito qualificadas – continuam a insistir no erro. Não são só dirigentes e deputados (antigos e actuais) do CDS e do PSD, mas diversos comentadores e jornalistas que, explícita ou implicitamente, reflectem essa convicção e muito ajudaram a espalhá-la entre o povo de direita.

Não vou recapitular todos os argumentos, mas retomar o primeiro, na cronologia histórica. Desde 1979, pelo menos, que a direita sabe que é preciso ter maioria absoluta para governar: por isso mesmo se fez a Aliança Democrática. A AD, coligação de listas conjuntas PSD/CDS/PPM, foi feita justamente para conquistar a maioria absoluta. Houve os governos da AD, porque fora vencida a maioria de esquerda: esta passara a minoria de esquerda. Depois de 1979, onde é que nos esquecemos deste fundamental? Como é que se pôde pensar que 2015 era diferente?

Isto não tem nada a ver com responsabilizar, ou não, Passos Coelho. Poucos, além de Pedro Passos Coelho, fizeram tanto para merecerem ganhar a maioria naquelas eleições. Mas, a seguir, a ilusão da vitória em 2015 comprometeu, de modo determinante, a estratégia política do PSD e do CDS. Quem acredita que já ganhou não precisa de se aplicar para ganhar: pensa que já está.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

PSD e CDS precisavam, em absoluto, de vencer as autárquicas de 2017, para inverter a seu favor a tendência do ciclo, que começara com vitória à esquerda, não à direita. Não era impossível ganhar. Pelo contrário: o PS obtivera o seu melhor resultado autárquico de sempre em 2013 (em plena troika); era de admitir que pudesse quebrar um pouco em 2017. PSD e CDS não se empenharam nesse objectivo, seguiram algumas linhas de competição entre si e não souberam afinar uma eficaz estratégia conjunta de reconquista da maioria dos municípios. Perderam. Pior: 2017 passou a ser para o PS o melhor resultado de sempre, ainda melhor do que em 2013.

Depois, foi só desastres. Deveria ter-se melhorado o resultado nas europeias – uma eleição aparentemente fácil, em círculo nacional único – e fazer destas eleições a última rampa de lançamento para as legislativas, logo a seguir. Foi uma catástrofe: o indizível resultado de 2014 com listas conjuntas (27,7%), foi repetido com listas separadas em 2019, com 28% (PSD 22%, CDS 6%). Péssimo.

Em vez da necessária rampa de lançamento, as europeias desenharam, para as legislativas, uma rampa a descer. E descemos. A colheita final foi muito má: PSD e CDS que tinham tido 38,4% em 2015 baixaram para 32% e perderam 23 deputados. Foi o que deu. Mesmo somando aos resultados à direita os novos Chega e Iniciativa Liberal, a diferença não é significativa: o conjunto da direita baixou para 34,6% e perdeu 21 deputados para a esquerda. Foi isto. Um ciclo desastroso.

Nesse ciclo, a direita só teve um motivo para festejar: o triunfo de Marcelo Rebelo de Sousa nas eleições presidenciais de 2016, que ganhou com 52%, nadando contra a maré. É estranho que, tendo tido esta única vitória no ciclo anterior, boa parte da direita se manifeste a desdenhar deste facto na etapa actual do novo ciclo. Não é só estranho, é perigoso. Em perspectiva estratégica, é mesmo demencial.

Este erro (desdenhar de Marcelo Rebelo de Sousa) cheira à reedição do erro fatal anterior (a falsa vitória de 2015). E receio que, tal como o erro da falsa vitória comprometeu todo o resto do ciclo 2015/19, este novo erro do desdém comprometa o ciclo actual e vá atirar-nos para nova maioria de esquerda nas próximas legislativas. Terceira maioria de esquerda consecutiva seria absolutamente inédito. Confirmaria termos a pior direita de sempre: uma direita que nos entrega consecutivamente à esquerda, gerando leis deploráveis e consequências morais, sociais e económicas que suportamos e pagamos no dia-a-dia e comprometem o futuro do país.

No ciclo actual (2019/23), as eleições com que a direita não teria mesmo de se preocupar de todo eram as presidenciais: Marcelo Rebelo de Sousa tinha-as ganho para nós; e iria ganhá-las outra vez. A prioridade imediata à direita era, por isso, focar-se nas eleições autárquicas (sempre complexas e exigentes), para daí partir rumo à vitória nas legislativas de 2023 (ou talvez antes). Isto é que é querer ganhar; e esta é que é a tarefa dos partidos políticos à direita. Por exemplo, construir nova candidatura de Assunção Cristas a Lisboa, agora com apoio do PSD e do CDS.

Bem sei que há pessoas, à direita, descontentes com o primeiro mandato do Presidente. Criticam fortemente alguns aspectos, uns fúteis, outros de substância. Eu próprio também fiz críticas. E faço. Isso é normal e necessário. Também é verdade que Marcelo não facilitou algumas vezes a simpatia à direita. Porém, a circunstância também tem de ser tida em conta. Marcelo é um Presidente à direita com um quadro persistente de maioria de esquerda, que é quem governa. Graças aos erros da direita, essa maioria de esquerda parlamentar aumentou de 52,1% (em 2015) para 56,6% (em 2019). Não tenho a mais pequena dúvida de que Marcelo preferia ter uma maioria PSD/CDS, mas a direita não teve essa capacidade; ou, ao menos, um quadro político mais equilibrado, mas nem para isso a direita teve competência. O Presidente tem de funcionar no quadro da democracia. O Presidente não é um líder partidário, não é sequer um chefe político, não pode ser um sabotador institucional. Tem poder, mas tem limites. Um e outros são os fixados pelas eleições. Se a direita aspira ganhar, é nas autárquicas e nas legislativas que tem de se focar. E ganhar – aqui pelo seu pé

Sem diminuir o papel do Presidente e o conteúdo do mandato, numa perspectiva de estratégia política global, o serviço fundamental que Marcelo presta à direita é impedir que a esquerda se apodere também da Presidência da República. O mesmo aconteceu com Cavaco Silva no decénio anterior. Imaginemos o que teriam sido a maioria absoluta de Sócrates e a geringonça com um Presidente de esquerda em Belém. E imaginemos o que teriam sido os concretos anos desde 2005 com a esquerda no Palácio de Belém. Não sei se a direita anti-Marcelo o apreciaria.

Um dos activos da eleição de um Presidente é a maioria presidencial. Independentemente dos actos concretos do Presidente, esta maioria define um espaço político de desenvolvimento ao longo do respectivo ciclo. É melhor estar dentro dele do que fora dele. E, portanto, para a direita, é melhor estar dentro da maioria presidencial deste Presidente de “direita social” – ele assim o disse – do que estar fora. Isso favorece a afirmação da direita nas eleições seguintes, se tiver acerto estratégico e pedalada. Em 1976, estar na maioria presidencial foi essencial para o CDS tirar fruto dos 16% que conquistara, saindo de vez do ghetto de não ter integrado os governos provisórios e evitando ser estigmatizado e encostado por ter votado (e muito bem) contra o texto final da Constituição. Colocar-se fora da maioria presidencial, hoje, é tornar mais difícil o caminho para as legislativas e já nas autárquicas (tão importantes!) daqui a poucos meses. E empurrar a maioria presidencial para a esquerda é tontice, escavando o abismo.

Critico a falta de liderança esclarecida à direita nesta matéria. Esta é fundamental para fazer recuar e vencer a maré de erro que alastrou no espaço eleitoral à direita. Os líderes e principais dirigentes e deputados do PSD e do CDS devem esclarecer intensamente, com seriedade e inteligência, por que é bom ter Marcelo Rebelo de Sousa na Presidência da República, o que é que lhe agradecemos e o que Portugal dele espera. Deviam estar no terreno a mobilizar para a concentração dos votos em Marcelo no dia 24. Não é porque ele precise; é porque nós precisamos. Isso é que é preparar a mobilização e a vitória para as eleições seguintes, decisivas para o resto do ciclo. Tudo o mais são papelinhos ao vento. Não podem apenas sinalizar o voto em Marcelo e sentarem-se comodamente do banco de trás do autocarro. A política custa. A política exige. Sobretudo quando queremos vencer.

Era expectável que dois partidos novos – Chega e IL – transformassem as presidenciais em passadeira de afirmação partidária. Isto é muito menos significativo do que se imagina, mas é natural que ocorra. O que é confrangedor é que larga parte do CDS se deixasse arrastar para isto e uma pequena parte do PSD, assim como como membros da comentocracia. As redes sociais são um escancarado mostruário. Só se compreende, se quiserem o destino dos pequenos partidos ou estiverem apostados em derrotar a direita neste ciclo, tal como já contribuíram para a derrota de 2019 e alguns também para o insucesso de 2015.

O Conselho Nacional do CDS de 12 de Dezembro foi deplorável. Com excepção da posição do líder e da direcção, assim como da categórica votação final, tudo foi mau. Foi um Conselho Nacional à porta fechada, mas de janelas abertas. Valerá a pena revê-lo um dia. A oposição interna, incluindo quase todos os deputados do partido, assestou baterias sobre a direcção e sobre Marcelo, que tratou tão mal quanto pôde. Todos os ataques a Marcelo foram diligentemente transmitidos cá para fora, logo a seguir às intervenções. Numa assinatura do mentor, os ataques foram de ângulos diferentes, mas para efeito convergente: amolgar o Presidente, amassar a posição política final. Ao modo dos políticos de plasticina, um dos críticos, depois de haver escarnecido do Presidente, terminou a dizer que votaria nele – como se se pudesse acreditar nisso ou tivesse a mais leve importância depois do mal feito. A intervenção mais certeira foi a que denunciou haver “um elefante na sala”, referindo-se a André Ventura. O alvo correcto, porém, não é a direcção do partido, mas aqueles que, de Mesquita Nunes aos ex-TEM, ecoam o discurso anti-Marcelo de Ventura e integram a sua estratégia, alimentando quimeras de candidaturas próprias e atacando duramente o Presidente da República, como se fosse o adversário ou o inimigo. Falta de discernimento. Muitos gabam-se nas redes sociais. Mas escusam de andar à procura de quem está a “pregar pregos no caixão do CDS”: são eles mesmos.

O único voto nas presidenciais que serve à direita para ganhar forças para poder triunfar neste ciclo político, vencendo autárquicas e legislativas, é a forte concentração de votos em Marcelo Rebelo de Sousa. O resto é desperdício e pode ser fúnebre.

A ideia, que muitos põem a correr, de que, sendo Marcelo eleito, é importante que Ventura tenha uma votação expressiva ou de que é essencial que Ventura fique à frente de Ana Gomes, não tem a mais pequena importância. Em eleições presidenciais, o segundo é o primeiro dos últimos. De que serviu Manuel Alegre ter tido dois segundos lugares na casa dos 20%? De que serviu Basílio Horta ter tido 14%? Ou mesmo Freitas do Amaral com 49%? Claro que importa a dignidade do combate político de cada um e o capital que guarda. O problema é pô-lo a render. Poucos dias depois, tudo se esfumou: só ficam o Presidente eleito e a maioria presidencial. Esta é que nos importa: estar lá e bem.

Claro que Ventura aspira a um bom resultado para procurar transferi-lo para o Chega. Isto é duvidoso, pois os votos de ocasião são muito voláteis. Mas, se o conseguisse, isso seria à custa do CDS e do PSD: provocar-lhes-á desgaste e pode abrir crises que afectarão a prestação da direita nas autárquicas, já daqui a oito meses. Se, por causa disso, perdermos outra vez as autárquicas, que é preciso ganhar, o quadro fica de feição a perder as legislativas, desperdiçando a oportunidade que a conjuntura parece oferecer. Seria a repetição da praga do ciclo anterior.

Pensando na direita e no futuro, pensando na mudança política em Portugal, nenhum eleitor do PSD e do CDS deve faltar à chamada: concentrar votos em Marcelo Rebelo de Sousa. Quanto mais forte for a sua votação, mas vasto será o nosso espaço. Depois, é claro, será preciso trabalhar – muito! Mas o espaço estará definido – e nós dentro dele. Ao mesmo tempo, não teremos alimentado elefantes na sala, ou na nossa ilharga, que perturbem o caminho e favoreçam o triunfo final da esquerda.

A última coisa que ouvi a André Ventura por estes dias foi a ideia, já não de ficar à frente de Ana Gomes, seu clássico “fétiche”, mas de ter mais votos que todos os candidatos de esquerda somados. Escusa de se esforçar. Não vale a pena o incómodo. Marcelo Rebelo de Sousa faz isso por nós e para nós. Já fez uma vez e pode fazer segunda. Esse é o primeiro motivo de gratidão que tenho por 2016 e, agora, 2021.

Uma vez garantido isto, é no futuro que há que concentrar-nos. Em tudo o mais que é decisivo e não depende de Marcelo. Só venceremos, se, naquilo que é da nossa competência, não formos incompetentes. Fomos desastrados em 2015/19. Não podemos repetir, por amor de Deus!