A esquerda uniu-se em volta do PS e a direita ficou com o dilema do Chega. Este partido, alimentado por Costa, pode tornar-se o parceiro impossível que impossibilita uma maioria de direita. À primeira vista, António Costa jogou a seu favor as peças do xadrez político que estavam em cima da mesa, mas uma análise cuidada leva-nos a uma conclusão mais profunda.

As eleições puniram um PSD que se dizia do centro e um CDS com um discurso que já não fazia sentido a muitas pessoas. Ao mesmo tempo premiou um Chega populista e demagogo, mas que disse em voz alta o que sentem muitos eleitores. Recompensou também a IL, que apresentou um discurso liberal, liberto das amarras do socialismo que estagna Portugal há décadas. Estes dois últimos partidos, que nada têm a ver um com o outro, têm uma particulariedade: não pedem licença à esquerda socialista para falar. Menos ainda aguardam que esta condescenda na validade e na boa índole das políticas que defendem. Discordo da mensagem do Chega, do seu pendor moralista, como se fossem os donos absolutos da distinção entre o que está certo e o que está errado. Sucede que, ao fazê-lo, o Chega substituiu o Bloco e o PCP que, até ao presente, também se afirmaram com esse mesmo pendor moralista, como se fossem eles os únicos capazes de distinguir entre o certo e o errado, o bem e o mal. Neste ponto, o discurso do Chega assemelha-se ao da extrema-esquerda, o que revela o quanto a utilização da moral como arma política passou da esquerda para a direita. Uma direita estatista (e também socialista) que o Chega representa, mas que não deixa de ser de direita com as implicações que isso acarreta.

Se o Chega se apropriou do discurso da esquerda, a IL questionou as bases socialistas dessa mesma esquerda. Pela primeira vez (não desde o 25 de Abril, mas desde o início do Estado Novo) um partido político não colocou o estado no centro da vida dos cidadãos. O sucesso da IL foi de tal forma que a campanha eleitoral se centrou à volta dos temas liberais. Foram as suas propostas que foram discutidas, aquelas que os outros partidos debateram e as que os seus adversários criticaram. Porquê? Primeiro, devido ao efeito novidade, depois porque iam ao âmago dos problemas que muitos Portugueses experimentam no seu dia-a-dia. Encaradas neste sentido as eleições do passado Domingo constituiram uma profunda derrota da esquerda socialista. Profunda porque o foram no pior sentido político da palavra: uma derrota cultural e intelectual.

Há muitos anos que a esquerda, que vai do PS ao Bloco e ao PCP, desistiu de inovar o discurso. Há anos que diz o mesmo. Há anos que se limita a viver dos louros que o predomínio cultural alcançado nos anos 60 lhe concedeu. Mas ficou-se por aí, congelada no tempo após a Revolução.  As duas revisões constitucionais mais importantes (a política de 1982 e a económica, em 1989) foram feitas com governos de direita e com os votos contra do PCP. O que não deixa de ser curioso pois hoje em dia muitos comentadores dizem que o PCP é a favor desta constituição esquecendo que o Partido Comunista Português votou contra todas as revisões do actual texto constitucional. Tanto o PCP como o BE defendem ideologias incompreensíveis para o mundo actual; inaceitáveis para quem sabe no que resultaram quando experimentadas; inimagináveis para as centenas de milhares de pessoas que, entretanto, têm acesso ao que se passa nos outros países europeus. Com seis e cinco deputados, respectivamente, o peso destes dois partidos torna-se ínfimo. Mas mais importante que isso, a sua queda eleitoral evidencia a uma derrota cultural.

Já quanto ao PS este partido parece finalmente aceitar a importância dos excedentes orçamentais. Depois de anos a recusar o óbvio, após uma oposição feroz à imprescindibilidade do estado apresentar orçamentos equilibrados e de reduzir a dívida pública, por fim os socialistas reconhecem o inevitável. Mas fazem-no não porque o julguem certo, não porque o considerem justo e eficaz, mas por mera necessidade. Simplesmente porque não têm alternativa. Se não houvesse União Europeia ninguém lhes impunha o equilíbrio orçamental, mas se não houvesse Bruxelas também não haveria dinheiro para pagar os salários e as pensões de que depende boa parte da população portuguesa. A história e a vida têm muita ironia e os socialistas, com António Costa e Pedro Nuno Santos à cabeça, sabem disso melhor que ninguém. O PS mais não fez que se adaptar às circunstâncias. Projecto, não tem nenhum; ideias, não existem. Sobram tácticas, contas e acertos.

O PS ganhou as eleições e conseguiu a sua segunda maioria absoluta. Mas a história não termina em 2026. Começou em 2022 numa campanha marcada pelos temas que a Iniciativa Liberal colocou em cima da mesa, sinal dessa renovação que se espera que continue. Que continue, e desta vez sem os grilhões intelectuais da esquerda socialista.

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