1 O estado atual do centro-direita é simples de explicar: não tem líder nem tem programa. Mais do que o divã cosmopolita e psicanalítico invocado por Cecília Meireles no encontro do Movimento Europa e Liberdade (MEL), o espaço que vai do PSD ao Chega está num daqueles sofás-cama básicos do IKEA que não tem capacidade para quatro líderes que não querem (nem podem) entender-se. Porque um não quer estar ali, outro nem sequer devia ali estar, um terceiro que fala uma língua que os outros não entendem e um quarto que grita como um condenado para se fazer notar.

Se o centro-direita não quer cumprir a profecia de José Miguel Júdice (o ciclo socialista só terminará em 2027), tem de mudar de rumo a partir do próximo ciclo eleitoral que termina com as autárquicas.

A primeira rutura a fazer é simples: recusar homens providenciais. Por muito que Pedro Passos Coelho e o trabalho do seu primeiro Governo sejam apreciados (e eu sou um dos que aprecia), o ex-primeiro-ministro não é o novo D. Sebastião nem a direita tem de esperar por ele.

É óbvio que Pedro Passos Coelho esteve no MEL para colocar o termómetro sobre o seu possível regresso. O maior interessado na criação de mito sebastianista é o próprio Passos Coelho — não é uma crítica, é uma constatação. Por isso mesmo, fez saber, como o Observador e o Expresso noticiaram, de que tal regresso não se consumaria para já porque o ciclo socialista ainda não se esgotou.

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Um diagnóstico frio e certeiro. Primeiro, por razões políticas: a sua taxa de rejeição em estudos de opinião continua elevada porque uma parte dos eleitores o associa à austeridade do período da troika. Mas também é claro que o ciclo económico favorece a continuidade do ciclo político do PS.

O PIB português foi dos que mais caiu na Zona Euro durante a crise pandémica mas deverá ser dos que mais vai crescer em 2022 e 2023: 3,9% este ano e no próximo ano acima de 5% (previsões da Comissão Europeia). Entre a imunidade de grupo e a euforia económica que daí advirá (e que já se sente) por via de uma mix de consumo elevado (financiado pelas poupança acumulada no último ano e meio) com os fundos da bazuca europeia, até é expetável que os números sejam superados.

É certo que a euforia do consumo poderá levar a desequilíbrios económicos (como o regresso de inflação elevada) que poderão vir a estar na origem de uma crise económica daqui a dois ou três anos. Não havendo condições para um regresso bem sucedido a curto prazo, quer Passos Coelho regressar parar gerir uma nova crise?

2 Isso não significa que Rui Rio deva permanecer à frente do PSD após as autárquicas. A sua liderança tem sido um falhanço total e tem constituído uma autêntica avenida para o crescimento do Chega e do Iniciativa Liberal (IL). Não há dúvida de que estes dois partidos têm consolidado o seu espaço eleitoral à custa da abstenção mas também de votantes tradicionais do PSD (e do CDS) que se transferiram de armas e bagagens para estes partidos.

Porquê? Porque são uma novidade (face aos ‘seculares PSD e CDS) mas também porque capitalizam a ausência e a ineficácia da oposição de Rui Rio. Chega e IL fazem uma oposição contundente e agressiva com propostas fundamentadas e concretas (no caso da IL) e com entradas “à bruta” e sem luva branca (no caso do Chega), como dizia Fátima Bonifácio no Expresso da Meia-Noite. Rio prima por tentativas falhadas de aproximação ao PS e por estar desaparecido em combate.

Basta olharmos para o mapa político europeu para percebermos que a direita radical só é controlada quando existe um líder forte no centro-direita. É assim com Angela Merkel na Alemanha, com Sebastian Kurz na Áustria ou com Kyriakos Mitsotakis na Grécia, entre outros exemplos.

Rui Rio não é, nunca será, um desses líderes. Tem sido errático na estratégia, populista na ação e provinciano na decisão. Tanto recusa a direita e defende alianças com o PS, como se aproxima do Chega e tem candidatas com Susana Garcia. E insiste numa agenda pessoal contra os media e a Justiça que o assemelha a Viktor Orban e ao Lei e Justiça da Polónia, colocando Portugal como um sério candidato a quebrar as regras de defesa do Estado de Direito que passaram a estar ligadas à atribuição de fundos europeus.

Acima de tudo, Rio é um loser — e não, a vitória dos Açores não conta para estas contas. Não descola nas sondagens, vale há muito tempo pouco mais de 26% (média de todas as sondagens, segundo o Político) e perdeu todas as eleições desde que foi eleito líder em 2018: eleições europeias (com 21,9% dos votos) e legislativas (com 27,7%).

E perderá igualmente as autárquicas. Até arrisco dizer que Rui Rio perderia inclusive contra Pedro Nuno Santos nas legislativas de 2023, caso este substituísse António Costa na liderança do PS.

3 Se o centro-direita não deve esperar por Pedro Passos Coelho, o que fazer? O PSD, o maior partido do centro-direita, tem de procurar um novo líder. De preferência, um elemento que represente igualmente uma rutura geracional. Como Emannuel Macron em França, Sebastian Kurz na Áustria ou Isabel Ayuso em Espanha.

Veja-se o caso de Kurz. Foi eleito chanceler com apenas 31 anos em 2017 e hoje lidera uma coligação com Os Verdes (centro-esquerda) depois de um primeiro Governo formado em aliança com a extrema-direita. Ou de Ayuso que foi eleita presidente da Comunidade de Madrid com 40 anos e teve uma vitória contundente no início de maio.

Não me perguntem nomes porque não me compete adiantá-los. Apenas constato que a chegada de uma nova geração à liderança do PSD poderia revigorar o partido e dar uma cara nova pela qual o eleitorado do centro-direita anseia.

As ideias ficam para um próximo artigo mas esta primeira metade da equação (um novo líder) é fundamental para construir um programa sólido e aberto que permita coligações com os restantes partidos do centro-direita e para que o PSD volte a liderar efetivamente a oposição — e não deixe André Ventura e a IL a desempenharem esse papel.