Nunca como hoje se viram tantos comentadores nas televisões e nos jornais a falar sobre a atualidade. Quase todos falam sobre tudo, numa verborreia frenética. A internet, através das redes sociais e das caixas de comentários, veio aumentar este exército imparável de pessoas que precisam constantemente de falar e serem ouvidas. Fala-se, comenta-se e critica-se em excesso. Muitos dos comentários são pouco moderados, irrefletidos e por vezes caluniosos. Numa palavra: vivemos num mundo repleto de barulho e superficialidade.

Acompanhar a atualidade na comunicação social, com a respetiva legião de comentadores, é uma tarefa cada vez mais penosa. Estamos perante o narcisismo do palavreado eloquente. Quem fala mais é o mais forte, o mais importante e admirado, ainda que não diga nada de verdadeiramente relevante. O silêncio é entendido habitualmente como um sinal de fraqueza, e não como uma atitude prudente e uma prova de sabedoria. Ou seja, o homem que fala é celebrado, o homem silencioso é visto como um fraco e ignorante.

O barulho está por todo o lado. Os desastres e as tragédias mostram-nos os mistérios da fragilidade humana. Mas a sociedade vive numa permanente embriaguez de palavras, reclamando-se uma explicação rápida para fenómenos complexos e nalguns casos inexplicáveis. Exige-se aos responsáveis políticos que falem de imediato, quando na maior parte das vezes a prudência, e a humildade do silêncio, seriam a melhor homenagem que poderia ser feita às vítimas e às famílias enlutadas.

O nosso Presidente da República prossegue a sua missão política, numa atividade pública impaciente, usando a palavra com a mesma velocidade com que aparece nos mais variados lugares e eventos. Trump sofre de uma tagarelice orgulhosa, mesmo após a sua eleição como presidente, continua a escrever frequentemente no Twitter, na maior parte das vezes futilidades. Mas os grandes líderes sabem que há um tempo para falar e outro para estar calado. Por exemplo, Mahatma Gandhi, Nelson Mandela, e Santa Madre Teresa de Calcutá passaram por longos períodos de silêncio nas suas vidas, refletindo, alimentando uma vida interior que nos era transmitida pela autenticidade das suas palavras. Facilmente se pressente que as suas opiniões foram pensadas, vividas com profundidade no silêncio, antes de nos serem comunicadas.

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Quando me iniciei na psiquiatria, escutei do meu mestre: “Vais aprender a estar calado, a ouvir, a acolher o sofrimento do outro, e a usar o silêncio como um verdadeiro remédio”. Ora, julgo que um dos maiores problemas da atualidade é a “doença do barulho”. O homem pós-moderno vive adicto ao barulho. Os ecrãs tecnológicos, autênticas prisões cintilantes em que todos nós passamos mais tempo, continuam a alimentar-nos de um fluxo ininterrupto de informações e conteúdos, sequestrando-nos no efémero. Temos que desconfiar do ruído e da confusão da vida moderna que aos poucos nos vai estupidificando. A incapacidade que as pessoas mostram para estarem no silêncio, é um sinal preocupante. Como é possível conhecermos a nós próprios no meio do barulho?

O mundo moderno abomina o silêncio. As nossas vidas estão a ser edificadas sobre um barulho constante. O ruído palavroso foi-se instalando sub-repticiamente nas nossas vidas, entorpecendo os nossos sentidos como se fosse uma droga. A doença do barulho é conhecida há muito tempo pelos Ordem dos Cartuxos. O tratamento para esta enfermidade foi encontrado através do silêncio. Nos Estatutos desta Ordem religiosa, no livro 2, capítulo 14, recomenda-se o seguinte: “… os irmãos contem e meçam as palavras quando lhes está permitido falar…. Frequentemente, a conversa que começa sendo útil, degenera cedo em inútil, para terminar sendo censurável.”

O silêncio é visto hoje como um fracasso, como algo deplorável e profundamente antiquado. Não posso estar de acordo com esta ideia. Sei que é difícil, mas é necessário no dia a dia procurar momentos de silêncio para refletir, evadindo-nos do ambiente ruidoso que nos cerca constantemente. A nossa saúde psíquica, a nossa vida interior, e a nossa liberdade assim o exigem.

Médico Psiquiatra