Não é medo, é receio…

Medo é um instinto primário que nos permite aumentar o estado de alerta, elevando o grau de sobrevivência. É o nosso medidor interno de risco. No fundo, é bom ter medo de vez em quando.

Outra coisa é o receio. É persistente. Volta sempre para desequilibrar a balança quando se pretende tomar um passo fora da nossa zona de conforto. O receio de sair à rua, o receio de ir ao supermercado, o receio de arriscar investir, o receio de seguir com a vida, mesmo que num novo contexto.

A Economia, como ciência social, baseia-se em grande parte no estudo do comportamento humano, esperando-se que este seja tendencialmente racional. Ao longo dos anos, os especialistas tentaram traduzir racionalidade em comportamento esperado ou expectável, na esperança de poder antecipar ou mesmo prever a função-reação das pessoas e empresas enquanto agentes económicos racionais. A “economia do receio” não é mais do que uma reacção expectável de agentes económicos racionais no actual contexto.

E como se manifesta essa “economia do receio”?

O sector financeiro tem receio de conceder mais crédito. Com a esperada e actual quebra da actividade económica e o consequente aumento do desemprego, a probabilidade (e a capacidade) dos agentes económicos pagarem os empréstimos contraídos diminuiu. E nem sequer é somente uma questão de “preço” (a taxa de juro com prémio de risco), é também uma questão de capacidade de absorver perdas no balanço em momento de incerteza.

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O sector empresarial tem receio de investir. Com acesso limitado ao crédito, com capitais próprios historicamente reduzidos e com uma conjuntura internacional pouco disposta em alargar horizontes de investimento, ou em absorver as nossas exportações, o mercado interno é reduzido e está a encolher (mais desemprego e quebra do PIB). Com toda esta incerteza conjuntural, a consequência é o adiamento de decisões de investimento.

As famílias têm receio de consumir. Com o elevado grau de incerteza quanto ao futuro, nomeadamente quanto à manutenção do emprego e à recuperação da actividade económica, as famílias tendem a protelar decisões de consumo.

Donde que resulta menos disponibilidade de concessão de crédito, menos investimento e menos consumo, tudo porque o receio tomou conta dos agentes económicos, por via da incerteza e da instabilidade. Uma mistura nada saudável para atingir mais crescimento económico.

Em Junho, o Indicador de Confiança do Consumidor mensal em Portugal, no INE, estava em -25,7 (tendo mesmo tocado em -41 em Abril), quando tinha estabilizado pouco abaixo de zero nos últimos quatro anos.  Pior, só aquando da crise de 2012, mas nunca uma queda tão abrupta foi observada. Os indicadores coincidentes mensais para a actividade económica e para o consumo privado do Banco de Portugal mostram, igualmente, uma queda acentuada em Junho (com taxa de variação homóloga com queda de 5% e 10,4%, respectivamente).

Mas há efeitos perversamente positivos: a taxa de poupança na Zona Euro disparou 16,9% no primeiro trimestre de 2020, crescendo cerca de 8,79% em Portugal (valor acima do verificado em anos anteriores).  Isto demonstra como o receio leva a uma alteração da propensão a poupar (ou inversamente, da propensão a consumir) no sentido de criar protecção contra a incerteza, o chamado “pé-de-meia”.

Um incontornável corolário: o receio generalizado dos agentes económicos conduz a uma crescente apetência para aceitar mais interferência paternalista do Estado. E os agentes económicos parecem todos olhar para esse mesmo Estado como parte da solução que inverta este círculo vicioso de receio.