Vivemos num país onde grande parte dos empresários não sabe o que é ser um bom empresário: acham que é ser mais esperto do que o vizinho, que a política comercial se baseia numa negociação que significa enganar a montante e jusante, acreditam que política fiscal é tentar escapar aos impostos e a maioria sobrevive apenas pelo baixo custo do fator trabalho. A maior porção dos empreendedores não sabe o que é ser empreendedor: acham que é ter uma ideia brilhante de uma mente genial, que todos romantizam ser a sua, para depois vendê-la a alguém desprevenido.

A ideia de que a produtividade é o problema da economia portuguesa é vendida sistematicamente pelos gurus: o trabalhador lusitano é preguiçoso em solo nacional, mas quando emigra é fantástico. Mas observemos um pouco a realidade. Recentes notícias na comunicação social dizem que “faltam mais de 40 mil trabalhadores na hotelaria e restauração.” Depois vamos a qualquer site de emprego e lemos as ofertas para a área: “ajudante de cozinha com ganho acima da média”. Logo no título conseguimos ver dois erros típicos: quando falam em ganhar acima da média, a maioria divide o salário mínimo anual em doze e apresentam esse valor como o mensal, sem dizer nada no anúncio sobre incluir os subsídios de férias e de Natal; quando se fala em “ajudante de cozinha” é todo o empregado que não é cozinheiro, ou seja, uma espécie de indiferenciado que é desvalorizado e pode ser rapidamente substituído. Mais ainda, este salário mínimo é realizado através de dois turnos de trabalho, um à hora de almoço e outro à hora de jantar, o que perfaz muito mais de oito horas diárias, e só com uma folga por semana. Entretanto, o plano de recrutamento do setor seria, também segundo as notícias, ir buscar “jovens à procura do primeiro emprego” e “intercâmbio Portugal-Brasil”. Ou seja, ir buscar pessoas desprevenidas ou abusar da aflição de emigrantes.

Esta é a narrativa da maioria dos gestores portugueses em termos de recursos humanos, não só na restauração, como nos chamados setores mais “tradicionais” da economia portuguesa, do têxtil ao calçado, da construção ao mobiliário – onde os salários são mais baixos. A ideia não é atrair e reter talentos, investir na formação e apostar na qualidade. Sejamos realistas, só não vê quem é cego: a intenção é sugar até ao tutano trabalhadores precários e mal-pagos, para depois esperar que eles façam milagres.

Vejamos o caso do setor público, que emprega 14,1% da população ativa, mas 54,3% com habilitações literárias de nível superior. Porquê então tanta ineficiência e desperdício de recursos num setor que devia ser o farol de gestão, inovação e desenvolvimento económico? Talvez a razão seja simples: toda a entidade, pública ou privada, deve ter bem assentes os seus valores, visão e missão. Desta forma, o maior problema das empresas portuguesas não será a produtividade. A raiz de todos os males está na mentalidade, que não confere um propósito maior e abandona os recursos humanos aos seus próprios egos. Pode existir investimento, habilitações, estratégia financeira e marketing avançado, mas tudo isto serão paliativos se a organização não tiver uma essência, princípios e cultura de criação de valor. De nada servem as mais modernas ferramentas de gestão se os gestores não tiverem uma ética laboral sustentada, nem seguirem os valores, visão e missão, que são o farol da empresa. Ou exemplificando de uma forma brutalmente honesta, para que todos compreendam: com esperteza saloia a mais e lealdade a menos, não haverá salvação, nem com todos os fundos comunitários e esmolas dos países onde a maioria das empresas funcionam.

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