Há uma diferença entre “ganhar a atenção” e “prender a atenção”. Na verdade, serão formas muito diferentes de se falar da atenção. Às vezes, tenho a impressão que passamos a vida a “prender a atenção” uns aos outros. A fazermos os possíveis por impressionar. Tudo mais ou menos “à primeira vista”. Por mais que “prender a atenção” tenha um valor quase descartável. Mas, enfim; “prender a atenção” é, de certa forma, o melhor daquilo que a maioria de nós parece ser capaz de dar.

“Ganhar a atenção” supõe, pelo contrário, que se tenha argumentos substantivos. Uma coerência em relação àquilo que se pensa. E um rasto com “impressão digital” que, pela sua singularidade, seja impossível de replicar. Todos seremos capazes de “ganhar a atenção”. Assim não nos rendamos ao impulso de “prender a atenção”.

Acontece que a atenção é uma consensualidade de sentidos. Logo, aquela recomendação, tão querida dos pais, que se traduz no conselho: “Faz um esforço para estares atento!” talvez não tenha grande sentido. Primeiro, porque um adolescente não se pode partir ao meio entre uma parte, que está desatenta, e outra que domestica a atenção. (Na verdade, “um esforço” para se estar atento é meio caminho andado para se cultivar a distracção.) Depois, porque precisamos de estar “de cabeça no ar” para sermos atentos. Logo, entre as “dificuldades de concentração” e os “défices de atenção” — que há quem atribua, sobretudo, às dificuldades escolares dos adolescentes —  parece-me que andamos todos a fazer muito pouco para ganharmos a atenção daquilo que se passa com eles, para os percebermos melhor.

Na verdade, sempre me pareceu que se vai fazendo da atenção dos adolescentes uma “fake news”. Porque, ao mesmo tempo que o alarme cresce em redor das suas distracções, ninguém se pergunta se para isso podem contribuir as quase 12 horas de trabalho que muitos acabam por ter, todos os dias. A dose exagerada de aulas expositivas, com recreios mínimos entre elas. A imensa pressão, em nome das notas, que os pais e as escolas exercem sobre eles. E a forma como vivem numa hiper-estimulação, “sem regras”, dependentes do telemóvel, de manhã, à tarde e à noite. A par, os pais vão aceitando que eles são multitasking. Que ouvem música, respondem a mensagens, espreitam séries e dão um “saltinho” até a um jogo, enquanto estudam. O que não é verdade, claro. Acresce que quase ninguém os ensina a estudar. E passa-se o tempo a compensar a sua falta de autonomia com “doses” muito exageradas de explicações. E, já agora, nem sempre se tem em consideração as transformações (muito difíceis) da própria adolescência. O que, tudo junto, acaba por contribuir para que a vida dos adolescentes seja, no seu todo, uma “agitação pegada”. Muitas vezes, com o nosso “patrocínio”.

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Mas como se tudo isto já não chegasse, a qualidade dos temas que lhes damos para estudar, a forma como o fazemos e, nalgumas vezes, a qualidade de alguns professores pode ajudar a que sejam desatentos. Por outras palavras, nós constatamos, com alarme, que eles “vivem na lua”. Mas são raras as vezes em que nos colocamos “na equação” e nos perguntamos de que forma contribuímos e trabalhamos para isso.

E, depois, há os pais. Que aceitam, com grande passividade, que a adolescência é uma “idade parva”. E que se colocam, demasiadas vezes, “em guarda”, sempre que eles argumentam. Por mais que façam um esforço (às vezes, só mesmo um esforço) para estarem atentos para as “questões fundamentais” dos adolescentes. Não reparando nos exemplos que lhes dão antes de exigirem aquilo que entendem exigir-lhes. Enquanto imaginam que os grupos dos adolescentes são mais preponderantes na educação de um adolescente que a sua própria família.

E, finalmente, há a escola. Que nem sempre é vista como uma dádiva – preciosa! – mas como uma espécie de moratória até (à insensatez das regras com que se chega) ao ensino superior. Mas como se os pais e a família, a escola e os amigos já não fossem fontes plurais de educação para um adolescente, cada uma com a sua importância; a sua educação faz-se com a ajuda preponderante de um grupo de “amigos” de quem os pais quase nada sabem. Sejam os “amigos” das redes sociais. Os “amigos” que protagonizam os vídeo no YouTube. Os “amigos” com que jogam em rede. Os “amigos” do Tiktok. Os “amigos” com quem compartilham os ídolos e discutem as séries. Mais os “amigos” do Spotify. E os amigos com quem comunicam pelo Instagram e pelo WhatsApp.

Vendo bem, os adolescentes vivem entre actualizações, notificações e “filtros”. São disputados por influenciadores e dividem-se na forma como ora se repartem como seguidores ora pelo modo como são manipulados para o seguidismo. Procuram, por vezes, os seus “cinco minutos de fama” de formas muito perigosas. São atraídos para o impulso pelos jogos em rede, primeiro, e para os jogos a dinheiro, logo a seguir. As suas leituras vão-se resumindo aos posts e muitas das suas interpelações mais profundas chegam-lhes através das stories. E os seus níveis de atenção parecem resumir-se a parquísimos 8 segundos! Ou seja, esta outra “universidade aberta” a que têm um acesso livre tem, muitas vezes, mais preponderância na educação de um adolescente que a própria escola. E tem uma influência maior na forma como os adolescentes estruturam o seu pensamento do que alguns pais terão, para eles.

Eu acho que nós não estamos a medir as consequências desta “universidade aberta” sobre a educação dos adolescentes. Sobre a forma como pensam. Sobre o modo como se tornam um pouco “menos humanos” e bastante mais agitados. E sobre os contributos que trazem à construção do carácter de um adolescente. E devíamos fazê-lo! Regrando o uso dos telemóveis. O tempo de jogo. E o consumo de redes sociais. Regulando os “amigos” digitais. E acedendo, de forma aleatória, mas com conhecimento dos nossos filhos, às conversas que têm com eles.

No meio destas imensas solicitações, os pais hesitam, em demasia, em exercer a sua autoridade. Receiam fazer das regras os pilares da educação de um adolescente. Permitem que os filhos se barriquem no quarto, entre vários écrans, por vezes, “um dia inteiro”. Condescendem com os mais diversos caprichos (como, agora, se vai passando com o número cada vez maior de adolescentes, que, a pretexto dos trabalhos de casa, janta no quarto!). Subsidiam níveis perigosíssimos de consumo nos adolescentes. E colocam-se, vezes demais, no papel de “amigos mais velhos” dos próprios filhos, com tudo o que isso tem de mau para todos. Afinal, queixamo-nos deles terem uma atenção quase volátil e ganhamos vezes de menos a sua atenção. Deixamo-los render aos apelos dos impulsos e alarmamo-nos por eles não serem atentos. Alimentamos-lhes as suas mais diversas exigências e, depois, queixamo-nos porque os sentimos egoístas. Demito-nos de sufragar os lugares digitais por onde se passeiam e lamentamo-nos quando constatamos a sua indiferença em relação a uma “agenda de valores” que entendemos fundamental. Mas, afinal, onde andamos com a cabeça?… Quem tem mais problemas com a atenção: serão os adolescentes ou somos nós?