Estar à espera remete-nos para um tempo suspenso, vivido com maior ou menor sofrimento consoante o que se espera, por quem se espera, por quanto tempo se espera. O tempo de espera faz bater o pé, provoca ansiedade miudinha, sucessivos olhares para o horizonte (real ou simbólico) de onde acreditamos que surgirá o que esperamos. Olhamos assim, expectantes, para os ponteiros do relógio, para as janelas, para o fim da rua, para o ecrã do telemóvel, para o corredor do aeroporto, aguardamos os resultados dos exames médicos ou académicos, do aviso de receção da encomenda, perscrutamos os passos do outro, ao nosso encontro.

Roland Barthes, em Fragmentos de um Discurso Amoroso, descreve a cenografia da espera vivida como uma peça teatral decomposta em três atos. Um prólogo: a inquietação perante a situação da espera. O primeiro ato, preenchido pelas suposições de um provável mal-entendido quanto ao ponto de encontro, pela angústia de ação perante a dúvida entre sair do lugar versus o medo de que o outro chegue durante essa ausência. Um segundo ato, habitado pela cólera em relação ao ausente. Por fim, um terceiro ato, onde se atinge a angústia pura, a do abandono, o medo da morte do outro e a precipitação de um luto.

Consoante o momento da chegada de quem se espera, o acolhimento pode ser calmo, se ainda acontecer no primeiro ato; intempestivo, se ocorrer no segundo ato; ou vivido, se ocorrer no terceiro, com um sentimento de graça perante o reconhecimento do outro. Quem espera cria uma realidade projetada a partir das suas deambulações e cogitações. E, se tal acontece de forma mais dramática se o objeto de espera é o ser amado, como no cenário evocado por Barthes, também em situações mais mundanas damos por nós a inventar quadros hipotéticos até ao advir do acontecimento esperado.

A oscilação entre a vivência de uma angústia mais fervorosa ou mais morna desencadeada durante a espera põe à prova a nossa capacidade de tolerância da frustração, de aguardar, aceitar. Na relação connosco mesmos, balançamos entre a excitação da expectativa e a zanga crescente pelo atraso. Em simultâneo, desejamos alimentar a expectativa ou sustemos a vontade de antecipação (como defesa contra a probabilidade de uma deceção; afinal, sabemos bem que nem sempre quem espera alcança).

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O desafio é o de transformarmos a espera num tempo mais criativo e não de suspensão das nossas vidas em função do tão esperado. Conseguirmos manter ativos interesses diversos, ocupações necessárias, deixarmos desperta a capacidade de olhar e apreciar o que está em redor, a realidade a acontecer para além da concomitante influência do estado de espera.  As estações sucedem-se em ciclos, os dias de sol e de chuva intercalam-se, as histórias de Sherazade duraram mil e uma noites, a vida flui e nós não morremos no entretanto do provir. Ter paciência é uma qualidade que nos permite viver com tranquilidade os inevitáveis compassos de espera.

No presente, para não ser tão doloroso aguardar pelos abraços que desejamos dar àqueles de quem mais gostamos, devemos cultivar a serenidade. Com o acréscimo de um sentimento de confiança, sabendo que há de chegar o que esperamos. Conseguindo isto, evitamos o sobressalto interno que ameaça a nossa quietude mental e emocional. O tempo leva o seu tempo e aprender a esperar passa ser um exercício da arte de viver.

anaeduardoribeiro@sapo.pt