O problema da eutanásia – apresentar a morte diretamente provocada como solução para problemas mais ou menos fatais e outros que tais – é muito um problema de sentido. De propósito.

Na minha vida profissional noto que para uma empresa ou organização sobreviver precisa de ter um propósito existencial claro, mais quando é sujeita a especiais provas de esforço. Na vida humana, não parece ser diferente.

Quando se tem um sentido e um propósito para a vida, também se encontra um sentido e um propósito para o esforço e o sofrimento, físico ou moral, comum ou extraordinário, maior ou menor. Claro que algumas vezes não é fácil. Outras é mesmo quase impossível.

Esforço e sofrimento não são bem a mesma coisa. É mais fácil encontrar sentido no esforço devido por conseguir determinados bens, do que encontrar propósito num sofrimento, por assim dizer, passivo e irremediável. Mas refiro-me a ambos, doravante, com a palavra sofrimento.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

***

Quando a vida humana tem um sentido uno (há um fim último em tudo o que fazemos), verdadeiro (adequado à realidade) e bom (orientado para o bem), o esforço que nos é conveniente e o sofrimento que nos assola irremediavelmente têm sempre um sentido. Pode não se encontrar uma razão, mas há um sentido. Pode não se encontrar uma explicação, mas pode acolher-se. A dor tem muito de mistério.

Quem não tem um sentido para a vida, também não tem um sentido para o sofrimento,  porque não há vida sem sofrimento; e ter um sentido para a vida que não integre o sofrimento (ainda, como é óbvio, que não se o deseje por si mesmo) torna esse sentido precisamente… sem sentido! Melhor ou pior, talvez todos possam dizer que têm um sentido para a sua vida. Quando o sofrimento aperta, porém, é quando a autenticidade desse propósito fica clara.

Desconheço propósitos ou ideais nobres que se façam realidade sem sacrifício e sem que doa. Claro que isto não significa que a dor seja boa, mas que é necessário passar por ela. É aí que a dor, sem deixar de doer, e sem que se deseje por si mesma, se pode tornar grata. Quando tem um sentido. Porque nos permite alcançar algo maior.

Ao mesmo tempo, é natural que quando a podemos tirar, a tiremos, sobretudo quando é desnecessária, inútil ou insuportável. No fundo, quando o esforço não é conveniente, ou quando o sofrimento passivo não é irremediável. Por isso todos os analgésicos legítimos (físicos ou morais) têm um papel tão importante e tão humano. Também porque o sofrimento pode atingir graus que obnubilam de tal modo que até o sentido e o propósito mais clarividente pode vacilar. Por isso, é arriscado julgar quem está a sofrer muito. Diante do sofrimento, é melhor falar pouco. Medir bem as palavras. Dar soluções eficazes. (Foi por isso que hesitei antes de escrever este texto…)

O que podemos então dizer – pouco e bem – a quem sofre? Ou a quem sofre muito?

Há uma parte da Humanidade que trabalha para dar esperança a quem sofre. Não esperança de que “não vais sofrer”. Isso não é dar esperança: isso é mentir!

Esperança de que te vamos procurar ajudar eficazmente, aliviar-te os sofrimentos o máximo possível e tratar-te com grande delicadeza e humanidade; esperança de que te vamos ajudar a ver continuidade entre o propósito que há na vida, e o propósito que há no sofrimento, seja ele passageiro ou terminal. Esperança de que, se é o caso, o sofrimento te sirva para afinal veres que o propósito que tinhas na vida estava disperso ou equivocado: é o tempo de o focar, ou de o encontrar. Ânimo, nós ajudamos-te! Não estás só.

Mas há quem apresente uma proposta diferente. A proposta da eutanásia.

Seja ela liberal: facilitar ou fomentar a escolha individual, considerada como um valor absoluto, de terminar propositadamente com a própria vida. Seja ela totalitária: pressionar a escolha individual de terminar propositadamente com a própria vida, no limite forçando-a para “bem” do próprio e da sociedade.

Não há esperança. Não há propósito nem sentido. A proposta da eutanásia não encontra sentido no sofrimento. Talvez porque também não encontra sentido na vida. Vive alienada. De embriaguez em embriaguez que apenas disfarça um vazio que, se não se emenda, facilmente termina no desespero.

Acresce que quando não há sentido, o sofrimento é muito, muito mais forte. O pior de tudo não é sofrer. É sofrer sem sentido, sem consolo e sem esperança. E, pior ainda, eternamente. Quem nos pode garantir, afinal, que a morte acaba sempre com o sofrimento?

Diante do sofrimento é melhor falar pouco. Eu não sei – não sei mesmo – como reagiria a determinados sofrimentos. O que sei é que gostaria que me dessem esperança. E não que me facilitassem o desespero: infelizmente essa parece ser a “esperança” dos deputados que querem desesperadamente a eutanásia. Qualquer que seja a sua forma.