Na semana passada, umas declarações sexistas e de mau-gosto de Pedro Arroja ao Porto Canal sobre as deputadas do Bloco de Esquerda geraram grande indignação. Vale a pena ver a entrevista completa. Para Arroja, Portugal tem duas características principais que explicam o pântano em que vivemos: temos uma cultura feminina e somos católicos. Que as mulheres são o inferno, é um facto indisputável. Desde Eva que o sabemos. A questão do catolicismo é mais interessante. Segundo Pedro Arroja importámos o liberalismo dos países anglo-saxónicos e o socialismo da Europa do Norte. Mas depois borrifámos água-benta adaptámo-los à nossa cultura católica. A ideia pareceu-me disparatada, mas depois concluí que Arroja tem razão. Quer à esquerda quer à direita.

O liberalismo católico da Direita

É muito comum ver liberais de direita a clamar contra a ubiquidade do Estado, pedindo que saia do caminho. Mas, quando se presta atenção, percebe-se que querem que a Igreja substitua o Estado. No primeiro Governo de Pedro Passos Coelho, que, como se sabe, foi mais longo do que o segundo, encontramos diversos exemplos.

Na educação, tivemos um ministro que declarou que queria rebentar com o seu Ministério. Possivelmente com esse objectivo, reduziu o seu orçamento em cerca de 1700 milhões de Euros, sendo um dos ministérios em que se foi claramente para além da tróica. Claro que se pode argumentar que parte da redução da despesa era necessária, mas, ao contrário do prometido à tróica, não se reduziram as transferências para o ensino privado. Aliás, não só não cortou nas verbas transferidas, como alargou o seu âmbito: qualquer colégio privado passou a poder concorrer a financiamento público, deixando de ser requisito legal a não existência de escola pública por perto. Com isto, empurrou-se toda a classe média-alta para o ensino privado. O objectivo é transparente: entregar o ensino público às escolas católicas, em especial fora de Lisboa e Porto, onde o ensino privado laico escasseia.

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A educação é apenas um exemplo, e até poderá alguém de boa-fé argumentar que são os pais que querem o ensino católico para os filhos. Mas, na verdade, outros exemplos abundam. Por exemplo, enquanto o Ministro da Solidariedade Pedro Mota Soares cortava nos apoios aos mais pobres, criava fundos para apoiar directamente as IPSS e misericórdias. Outro exemplo, se calhar ainda mais óbvio, é dado com a entrega, sem concurso público, de diversos hospitais às misericórdias. Foi assim com Fafe, Anadia e Serpa. Foi assim com Santo Tirso e São João da Madeira.

É fácil de perceber que mais do que reduzir o Estado, o que a nossa direita quer é substituí-lo pela Igreja, com financiamento do Estado. É um liberalismo muito católico, digamos assim.

E a Esquerda fia-se Virgem

Na semana passada, Mário Centeno disse ao Financial Times que “ninguém no seu perfeito juízo pensaria em não pagar as dívidas contraídas”. Logo a líder do Bloco de Esquerda o veio pôr na ordem, dizendo que não se podia falar assim da dívida pública. Ou seja, quando Centeno procura pôr água na fervura, logo vem a líder do Bloco atiçar o fogo. Fica uma pessoa sem saber onde tem Catarina Martins a cabeça. Nem de propósito, ou, se calhar, mesmo de propósito, a agência de rating canadiana DBRS já veio dizer que uma conversa com Mário Centeno foi crucial para não ter colocado já a dívida soberana de Portugal sob vigilância.

Mas, como em tudo, a resposta está na Bíblia Sagrada. Mais concretamente no primeiro livro dos Reis, capítulo 17. Aí conta-se como o Profeta Elias foi parar a casa de uma viúva em Sarepta e lhe pediu de comer. Ela, porém, respondeu ter apenas um pouco de farinha e de azeite. Elias disse-lhe que não se preocupasse pois o Senhor, o Deus de Israel, diz isto: “Não acabará a farinha da sua tigela, nem faltará azeite no seu jarro até o dia em que eu, o Senhor, fizer cair chuva.” E assim foi, como o Senhor havia prometido por meio de Elias, não faltou farinha na tigela nem azeite no jarro.

O pensamento económico da nossa esquerda mais radical radica nesta ideia de que o Orçamento do Estado é uma tigela sem fundo. Distribuir o que há e o que não há, porque mais há-de vir. Em economês, isso quer dizer que se pede emprestado. E, quando a dívida for grande, reestrutura-se a dívida e pede-se mais emprestado. Do que Catarina Martins parece esquecer-se é que o Deus que nos reabastece a tigela e o jarro é o Banco Central Europeu. E esta história da viúva de Sarepta está no Antigo Testamento, onde o Deus Todo-Poderoso não tem a paciência infinita do seu filho no Novo Testamento. É bom que Catarina Martins perceba que o principal risco que Portugal enfrenta no curto e médio-prazo é ver a sua notação de rating cair, com a consequência quase imediata de o Banco Central Europeu deixar de encher o jarro.

Claro que Catarina Martins me pode contrapor com o milagre dos pães do Novo Testamento ou com o milagre das rosas da Rainha Santa Isabel. Mas, como diz o católico povo português: fia-te na Virgem e não corras, não.