1 800 euros em 2022 (PCP) e 850 euros em 2023 (PCP). 900 euros em 2026 (PS). 1000 euros em 2026 (Livre). E 1032 euros em 2026! (Bloco de Esquerda). Parece uma licitação de feirantes para ver quem dá mais, quem agrada mais à clientela, mas são só as propostas da esquerda para o salário mínimo nacional (SMN) na caça ao voto para as eleições de 30 de janeiro.

Só para deixar claro: se tivermos em consideração o ‘pregão’ mais vantajoso (a da ‘feirante’ Catarina Martins), estamos a falar de um aumento acumulado do SMN em quatro anos de 40%. Leu bem: quarenta por cento. Se tivermos em consideração o período 2008 a 2022, estima-se que o SMN já tenha aumentado cerca de 44% (dados do Expresso). Portanto, se tivermos por referência a proposta do BE, estaríamos a falar de um aumento acumulado entre 2008 e 2026 de 88%.

Obviamente que a seguir virão as respetivas propostas para isentar todos os titulares de SMN de isenção de IRS. Ou seja, como expliquei na semana passada, teremos de certeza mais de 50% dos agregados familiares sem pagar de IRS. Serão muito mais do que 2,7 milhões de agregados familiares com borla fiscal. Os ‘ricos’ — ou seja, a classe média — que paguem o imposto sobre os rendimentos.

A verdade é que os tais ricos, os efetivamente ricos, com rendimentos superiores a 100 mil euros são apenas pouco mais de 52 mil famílias, segundo dados da Pordata sobre o IRS liquidado em 2019. Estes apenas pagam 22,38% do total do IRS liquidado. E não, não estou a defender que se aumente os impostos sobre estas famílias. Estou só a reforçar que são as famílias de classe média que suportam a maior parte da receita do IRS. E a esquerda pensa neles?

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2 Vamos ver os valores do salário médio. Sabe o caro leitor qual é o crescimento médio anual desse salário no período de 2008 a 2019? 0,6%. Não é gralha: é mesmo zero vírgula seis por cento — menos de 1% ao ano. E em valor acumulado? Uns astronómicos 6,8% em termos reais, muito longe dos valores do SMN.

De acordo com a última edição do Expresso, o SMN nacional é o 13.º dos 21 países da União Europeia (UE) que têm salário mínimo mais alto. Entre os 22 países da União Europeia que fazem parte da OCDE, Portugal é o 19.º país com pior salário médio anual — o quarto pior registo da UE com um rendimento médio anual de 27.978 euros.

Portanto, enquanto que o SMN é o alfa e ómega da política salarial da esquerda, o salário médio definha como a economia portuguesa nos últimos 20 anos. E faz sentido. Porquê? Porque o salário médio está diretamente ligada à performance da economia, nomeadamente em termos de crescimento económico anual e em ganhos de produtividade. Como a performance tem sido medíocre, o mesmo se aplica ao crescimento dos salários.

Se tivermos em consideração o valor oficial de remuneração média mensal de 1005 euros (dados de 2019, citados pelo Expresso), aumentar o salário médio em 40% poderia significar um valor de 1471,9 euros em 2026. O PS é mais modesto e diz que quer aumentar o salário médio mensal ‘apenas’ em 20%: ou seja, 1.206 euros em 2026. Já o PCP, especialista em utopias, quer ‘apenas’ atingir a média europeia do salário médio anual (41.297 euros) nuns extraordinários e riquíssimos cinco anos. Como? Não diz.

O mesmo se passa com o BE que refere uns vagos “leques salariais de referência no público e no privado” que as empresas, certamente ameaçadas por elevadas multas, estariam obrigadas a seguir.

3O PS, por seu lado, informou através do Expresso que “quer forçar o aumento do salário médio”. É sempre bom quando o Estado força/obriga as empresas a fazerem algo numa economia de mercado. E como forçará esse aumento? Com políticas dirigidas ao alívio fiscal, ao aumento da produtividade ou a um projeto ambicioso de reformas (que não fez em seis anos)? Nada disso. Com uma espécie de programa IRCaucher!

Ou seja, aproveitando o enormíssimo sucesso (irony alert) do programa IVAucher, os socialistas querem dar créditos fiscais às empresas que aumentem os salários. Porquê? Porque os socialistas, numa espécie de mimetização do Bloco de Esquerda, acham que os empresários são uns ladrões de primeira: qualquer descida da taxa geral do IRC seria absorvida como rendimento extra.

Como se vê, as propostas da esquerda para aumentar o salário médio são uma mão cheia de nada. A não ser que o PS queira apoiar o PCP e o BE na nacionalização das empresas estratégicas do país para “forçar” os aumentos salariais… A esquerda não sabe como promover o crescimento do salário médio, pela simples razão de que a sua receita para o crescimento económico é sempre a mesma: aumentar o salário mínimo e promover o aumento do consumo.

Daí a pergunta que ocupa o título deste artigo: será que a esquerda quer mesmo que todos passemos a ter o SMN — passando a ser este o novo salário médio? Chama-se a isso empobrecer a classe média, aproximando Portugal da Venezuela e de outros paraísos idealizados pelo Bloco de Esquerda como o céu na terra.

4 Só há duas formas de o salário médio anual português subir de forma estrutural: através de um crescimento económico significativo e de uma reforma fiscal profunda que torne Portugal competitivo e liberte o país do peso castrador dos impostos sobre o trabalho e sobre o capital.

Quando o centro-direita faz propostas de um choque fiscal, como a Iniciativa Liberal (IL) faz ao nível do IRC, IRS, IMI e outros impostos — ou de uma descida estrutural do IRC e do IRS, como o PSD e o CDS fazem —, logo a esquerda diz ‘Aqui d’El Rei’ porque os beneficiados serão “os ricos” — e não a classe média — e o Estado Social fica em causa.

Começando pelo primeiro. A aplicação de uma ideia central para a IL — a aplicação progressiva de uma taxa única de IRS de 15% para todos os salários (contemplando isenção até aos 650 euros mensais), com um regime transitório em que aquela se aplicaria primeiro aos rendimentos inferiores a 30 mil euros anuais e de 28% aos remanescentes — ou das versões mais moderadas do PSD e do CDS, levarão a uma descida clara para toda a classe média e para a esmagadora maioria dos trabalhadores mais pobres.

Como? Porque, se tivermos em consideração que as diferentes classes médias situam-se entre os 20 mil euros e os 100 mil euros de rendimento anual (do 4.º escalão com uma taxa normal de 35% e uma taxa média de 24,9% até ao 6.º escalão com uma taxa normal de 45% e uma taxa média de 37,6%%), então estaremos a falar de 1.606.975 de agregados familiares (dados do IRS de 2019). Se juntarmos o 3.º escalão (28,5% de taxa normal e uma taxa média de 22,6%), o número total de famílias abrangidas sobe para um total de cerca de 3,2 milhões de agregados — mais de metade do número total de agregados.

Todos estes agregados terão reduções muito significativas de IRS. A acusação de que uma baixa estrutural do IRS levará ao benefício dos mais ricos é uma das maiores tretas da esquerda — e ninguém a censura por isso.

O mesmo se diga sobre o perigo de o Estado perder receita fiscal. Por exemplo, o Governo de Passos Coelho desceu o IRC em 2013, 2014 e 2015 de forma estrutural — proposta que o PSD de Rui Rio quer recuperar, descendo o IRC até aos 17% — e qual foi o resultado? A receita aumentou de 4,5 mil milhões para 5,2 mil milhões de euros.

E essa é uma verdade replicável em qualquer imposto: sempre que se descem as taxas, as receitas têm um potencial elevado para crescer.

O mais, extraordinário, contudo, é que a esquerda justifica que a atual carga fiscal brutal com a necessidade de financiar o Estado social e os serviços públicos. Como se os serviços públicos de saúde, na educação e até os serviços administrativos básicos fossem claramente de referência mundial ou europeu. Lamento mas, parafraseando o socialista Sérgio Sousa Pinto, a classe média portuguesa paga impostos ao nível da Suécia, Dinamarca ou Noruega mas tem serviços públicos ao nível da Grécia ou dos piores dos países da Europa de Leste.

Algum dia, este embuste terá de acabar.