Toda a gente já viu o filme do próximo ano do PSD: Rui Rio vai culpar os seus “críticos internos” pelas derrotas eleitorais de 2019, e os seus críticos internos vão culpar Rui Rio. Rio argumentará que os críticos desuniram o partido, e os críticos argumentarão que Rio o desmotivou. Pelo meio, falar-se-á de social democracia e de liberalismo, coisas que o PSD discute há quarenta anos sem nunca ter ido ao dicionário ver o que significam. Tudo isso é, como foi sempre, irrelevante, mas pode servir para esconder o que, nesta história, interessa para além da pequena crónica do PSD.

O ponto mais importante é que tanto Rio como os seus críticos partem do mesmo princípio: as eleições do ano que vem já estão perdidas, tratando-se apenas de saber quem vai ficar com a fava do fracasso. É, de certa maneira, curioso: o PSD ganhou as duas últimas eleições, e desde 2011 que é o maior partido parlamentar. No entanto, os seus dirigentes decidiram renunciar à condição de grande partido e optaram, em vez disso, por fazer partilhas da herança: o futuro está em constituir pequenos grupos pessoais para entrar em combinações de poder no parlamento.

A esse respeito, a estratégia de Rui Rio é exactamente igual à de Santana Lopes. É verdade, Rio está à frente do PSD. Mas Rio já não pensa no PSD como um grande partido maioritário: o PSD, de que Rio gostaria de expulsar ou ver sair todos os que discordam dele, é a sua pequena “aliança”, com que espera concorrer à lotaria dos arranjos de governo na Assembleia da República. Ninguém aspira a mais, e é por isso, e não apenas porque a conjuntura tenha sido favorável a António Costa, que já todos se conformaram com as derrotas de 2019. Para Rio ou para Santana, basta-lhes o número suficiente de deputados para pesarem na provinciana feira de interesses a que a política portuguesa se reduziu. Se por acaso Rui Rio elegesse em Outubro de 2019 apenas 8 deputados, mas esses 8 deputados fossem necessários para António Costa formar uma maioria de apoio ao governo, Rio não hesitaria em declarar que teve uma enorme vitória, e em agarrar-se ainda com mais força à liderança do PSD. O facto de o PSD, em tempos, ter sido um dos maiores partidos portugueses é, para Rio, apenas uma curiosidade histórica.

Nada disto é surpreendente. Em 2015, após vários anos de ajustamento, todos os partidos perderam, cada um à sua maneira: o PS, o PCP e o BE não conseguiram aproveitar as frustrações da “austeridade” para ganhar as eleições; o PSD e o CDS não conseguiram aproveitar o alívio da “saída limpa” para continuar a governar. O país, envelhecido e endividado, não queria pôr em risco o financiamento do BCE, mas também não parecia entusiasmado com reformas. Os partidos do regime foram, assim, tentados a desistir dos projectos que ainda, apesar de tudo, lhes davam alguma transcendência política, para se dedicarem, em vez disso, à mais rasteira mercearia do poder. A “geringonça”, que muitos confundiram inicialmente com uma polarização entre a esquerda e a direita, foi apenas o começo. Depois do PS, PCP e BE, chegou a vez de os líderes do PSD aderirem ao desesperado sistema da chamada “habilidade”.

Nos anos 70 e 80, tivemos uma política de grandes confrontos, em que o objectivo dos líderes partidários foi formar maiorias de mudança do país. Agora, teremos uma política de bazar, de combinações pouco claras entre pequenos grupos parlamentares, longe de um eleitorado cada vez mais abstencionista. É o crepúsculo de um regime em que, no passado, houve irresponsabilidade, mas também grandeza, fracasso, mas também audácia. Tudo agora diminuiu, das expectativas às ambições. Depois das chamas, temos as cinzas.

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