Há um ano a presidente von der Leyen esteve na sede do Parlamento Europeu em Bruxelas para o seu primeiro discurso do Estado da União. Apesar de moldado pela pandemia, o ambiente da época era entusiástico. A União Europeia parecia ter um plano, conduzido do centro para a periferia, que ia entregar vacinas, conquistar um lugar no mundo e legislar rapidamente sobre o mundo digital, a concorrência e as migrações.

Um ano depois, o otimismo esmoreceu. A vacinação correu mal no momento em que era mais importante que tivesse corrido bem e, quando finalmente melhorou, já se tinha perdido a perspetiva de que tudo pudesse acabar rápido e as instituições europeias não pareceram especialmente responsáveis pelo sucesso. O lugar no mundo foi substituído por embaraços diplomáticos sobre a falta de lugar numa cadeira em receções oficiais e uma inesperada desilusão com a nova presidência americana depois do caos no Afeganistão. Quanto a migrações, os refugiados tornaram-se instrumentos da chantagem dos Estados vizinhos, que perceberam a oportunidade para usar os fantasmas fronteiriços como forma de obter vantagens substanciais e de outra forma inatingíveis para as suas causas.

Ficou muito por fazer, mas a lição a tirar tem pouco a ver com as prioridades para um ano atípico. Os problemas mais profundos da União repetem-se, reciclam-se e reaparecem sob outras formas. Num estudo publicado há dias para o European Council on Foreign Relations, Ivan Krastev e Mark Leonard mostram como a pandemia veio replicar as tensões que formataram o debate dos últimos anos: geograficamente, na separação entre Norte e Sul, Leste e Ocidente; geracionalmente, com os jovens que sentem ter sofrido mais do que os mais velhos; e na forma como essas dicotomias se manifestam na divisão entre aqueles que sentiram os efeitos da pandemia especialmente na saúde ou especialmente nas suas economias.

Os inquiridos em Portugal, por exemplo, apontam o impacto exclusivamente económico como mais relevante do que o impacto na saúde. A partir daí, descrever a crise do último ano e meio como “pandémica” ou “sanitária” parece insuficiente. E quando, ao mesmo tempo, apenas 13% dos Alemães declaram ter sofrido economicamente, é difícil não pensar na história da crise da última década e nas diferenças de nascer ou viver no lado certo da mesma União. Para lá das finanças, os Portugueses são dos que mais confiam na justiça das medidas restritivas. Do lado oposto estão os Polacos, que continuam céticos. A desconfiança da Polónia é relevante numa altura em que a Comissão Europeia tenta perceber até que ponto pode determinar a organização judiciária dos Estados-membros e ameaça com sanções financeiras para Varsóvia; também aí há ecos e consequências políticas da batalha cultural entre a Europa progressista e a sua facção conservadora mais relevante. Podíamos estar de volta a 2016 e, de certa forma, nunca de lá saímos.

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A presidente von der Leyen voltará a discursar daqui a uma semana e desta vez a pandemia deve permitir o regresso ao plenário em Estrasburgo. Ouviremos falar do sucesso dos fundos (que também ainda não chegaram à Polónia), da ambição ecológica e regulatória. Os elogios na imprensa também devem voltar, porque a União sabe falar para quem a ouve. Nada disso importará para os jovens insatisfeitos, os remediados do Sul e os desconfiados do Leste. O Estado da União? Ciclotímica, intercalando grandes projetos num processo de declínio lento que todos reconhecemos sem dificuldade.

João Diogo Barbosa, jurista (@jdiogospbarbosa no Twitter), é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador, juntamente com Henrique Burnay, Madalena Meyer Resende e Bruno Cardoso Reis. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00. 

As opiniões aqui expressas apenas vinculam o seu autor.

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