“Estamos agora a entrar numa longuíssima campanha eleitoral, que teria gostado que fosse menos longa e que não demorasse um ano”, disse há dias o prof. Marcelo, indivíduo que se encontra em campanha eleitoral vai para quatro anos. Além de faltar legitimidade ao autor, à frase (igual nas várias fontes que consultei) falta sentido: agora é que estamos a entrar numa campanha que começou há um ano ou há quase um ano? Quando a presidência se desvia das “selfies” e das análises à temperatura do mar dá nisto. Para cúmulo, à frase falta também realidade.

Uma campanha eleitoral pressupõe uma série de adversários políticos que se confrontam e disputam o maior número possível de votos. Aquilo que temos visto é o partido que ocupou o poder e que manda no Estado a apascentar os demais partidos com migalhas ou promessas de migalhas desse poder e desse Estado. E os demais partidos, os que se aliaram formalmente ao PS e os que sonham com uma aliança, encontram-se satisfeitíssimos com a situação, a ponto de limitarem a oposição a um simulacro ridículo. Hoje, excepto por minúsculos movimentos bem ou mal-intencionados, não há oposição, não há alternativa e, por este andar, não tarda não haverá sequer os vestígios de democracia que ainda restam.

Nestas pacíficas circunstâncias, e com a ajuda adicional – e escusada – da generalidade dos “media”, de comentadores amestrados, do “empresariado” subserviente, da igreja e de Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, o PS das negociatas e das clientelas e das patranhas e das bancarrotas ganhará as “legislativas”, ficando apenas por apurar se com ou sem maioria parlamentar. Em qualquer dos casos, não importa tanto o resultado do PS quanto o resultado das esquerdas, incluindo as beatas do PAN, que ameaçam conquistar dois terços do parlamento para brincar às revisões constitucionais. Na legislatura que agora acaba, uma cavalgada de impostos e censuras, ensaiou-se a incursão pelas fronteiras do Terceiro Mundo. Não é garantido que na próxima não se formalize a adesão.

Salva-nos, enquanto nos salvar, a “Europa”. Certa direita (por “patriotismo”) e boa parte da esquerda (por ressentimento) passam a vida a condenar “a ingerência de Bruxelas”. Muito heróico. Mas sem essa ingerência, ocasionalmente irritante, o país já estaria entregue em definitivo aos bandos que nos pastoreiam. O projecto de conquista elaborado pelos bandos e pela inércia depende do dinheiro. Como o nosso dinheiro não se produz aqui e sim lá fora, convém ir mantendo alguns laços com os regimes ocidentais que inúmeros socialistas e a totalidade dos comunistas abominam. Em simultâneo, e pelos mesmos motivos, lá se vão mantendo as diferenças face aos regimes tropicais que inúmeros socialistas e a totalidade dos comunistas veneram. No instante em que a “Europa”, ou uma Alemanha sem folgas e a sra. Merkel, recusar uns milhares de milhões para “resgatar” inimputáveis, o último obstáculo à barbárie vai ao chão. Ao contrário do que sucede com as beatas, ninguém pagará multa.

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Há dias, um amigo que padece de optimismo e cegueira, opinava que os portugueses nunca se deixariam cair numa ditadura. Discordei com delicadeza: a principal vocação dos portugueses é justamente a de obedecer sem sombra de resistência. Mesmo os destacados resistentes à ditadura de Salazar combatiam por uma ditadura incomensuravelmente pior. Nem sei se os portugueses gostam que mandem neles: parece que não notam a diferença. No limite, acho que não sonham existir diferença entre a resignação e a liberdade. A apatia terminal, ou uma fascinante incapacidade de discernimento, implicam a absoluta ausência de escrutínio.

Até ver, o momento da campanha em curso foram as declarações da dona Catarina Martins acerca das barragens e da água que se perde através da evaporação. A chacota que se seguiu, restrita a um pedacinho das “redes sociais” e que não chegou aos noticiários para não ferir susceptibilidades, deveria ser o eco de cada atoarda da criatura, que à semelhança dos colegas do BE produz imbecilidades sem descanso nem receio das consequências. Há dias, porém, a dona Catarina Martins disse enfim uma coisa plausível, a qual mereceu igual indiferença das pessoas sérias: “Não queremos que Portugal seja uma Irlanda, uma Holanda ou um Luxemburgo”. De facto, não querem. Não por coincidência, a dona Catarina Martins escolheu três nações particularmente prósperas para exemplificar as sociedades que abomina, sistemas capitalistas e progressistas, com estabilidade fiscal, produtividade alta, salários altíssimos e investimento estrangeiro a rodos. Alguém perguntou à dona Catarina Martins a que título prefere a Venezuela ou Cuba? Alguém considerou renunciar ao BE após tamanha confissão de primitivismo? Alguém se lembrou de questionar o PS por pactuar com uma agremiação que deseja declaradamente a miséria dos portugueses?

São, claro, pormenores, embora pormenores que revelam a dimensão dos disparates que a líder de um partido com 10% dos votos pode proferir com radical impunidade. Se tivesse 30%, a impunidade seria idêntica. O dr. Costa, que arrisca 40% em Outubro, praticamente nunca abriu a boca para dizer uma verdade (ou uma palavra em português correcto). E o prof. Marcelo, que é o que é, ronda os 90% nos índices de popularidade. Cantando e rindo, os portugueses marcham para o abismo e só darão por ele quando se esbardalharem lá em baixo. Ou, palpita-me, nem aí. Não seria a primeira vez.

Nota: o autor, que sou eu, vai de férias. Regresso no dia 28.