1 Se há coisa que ainda hoje me surpreende em António Costa é a sua tremenda falta de ambição e a sua incapacidade de ter uma estratégia a médio/longo prazo que dê algo ao país. O último exemplo disso mesmo foi a promessa que fez ao jornal Público no início de março quando foi confrontado com a triste realidade de que Portugal vai continuar a ser ultrapassado pelos países do leste europeu no ranking do crescimento económico da União Europeia (UE). “O que lhe posso dizer é que estaremos mais próximos da Alemanha” em 2026 “do que estávamos há cinco anos”, prometeu Costa de forma propositada vaga.

É verdade que Portugal cresceu entre 2017 e em 2019 acima da média dos países da UE (2,8% em 2017, 2,1% em 2018 e 2,2% em 2019) mas esse crescimento foi muito inferior aos países do leste que são nossos diretos concorrentes. Tendo em conta que a crise económica provocada pela pandemia deverá ser mais dura em Portugal do que na Polónia e Hungria, por exemplo, é provável, segundo o Expresso, que aqueles dois países nos ultrapassem em 2021 no ranking de poder compra em paridade do poder de compra, fazendo com que os portugueses passem a ser 0 21.º país da UE naquele indicador.

Conclusão: mesmo que se concretize o “estar mais próximo da Alemanha”, tal poderá significar que Portugal volta a não conseguir convergir com a UE.

2 A falta de ambição é simples de explicar. Em vez de de prometer vagamente uma aproximação à Alemanha, António Costa devia estabelecer metas ambiciosas para o país num cenário pós-covid: crescer sempre mais do que Polónia, Hungria e os restantes países do leste europeu. Porque estando esses países desde há muitos anos entre os que mais crescem na UE, isso significará que estaremos mais próximos de atingir a média do poder de compra europeu.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O que significará crescer sempre acima de um valor entre os 5% e os 8% — o que representa entre o dobro e o triplo do que crescemos anualmente entre 2017 e 2019. Uma informação histórica: a última vez que crescemos acima dos 7% foi em 1990.

Porque razão António Costa não tem essa ambição? Porque sabe perfeitamente que o seu Governo não consegue romper com atual modelo económico esgotado assente em forte investimento público + asfixia fiscal, como já disse aqui — que o próprio Costa, aliás, irá repetir com o Plano de Recuperação e Resiliência.

3 É muito significativo, aliás, que António Costa tenha dividido na mesma entrevista ao Público dois períodos distintos para explicar o processo de convergência (e de divergência estrutural) com a União Europeia:

  • o período entre 1986 e 2000, em que uma fase em que “o país teve uma fortíssima convergência”;
  • e uma segunda fase entre 2000 e a atualidade em que Portugal não “resistiu a um triplo choque competitivo: o euro, o alargamento a leste e a entrada da China na OMC”.

E o que distingue essas duas fases? Simples:

  • a fase entre 1986 e 2000 é marcada por um período de forte liberalização dos setores estratégicos da economia portuguesa (por via da nossa adesão à então Comunidade Económica Europeia) e de políticas reformistas (um palavrão para Costa) dos governos de Cavaco Silva que modernizaram o país de alto a baixo e geraram riqueza para as famílias e as empresas. Essa fase teve cinco anos do Governo Guterres que se limitaram a beneficiar do sucesso das políticas cavaquistas mas que não tiveram o mesmo ímpeto reformista.
  • e a fase entre 2001 e 2021 em que o PS governou 12 dos 20 anos desse período. E em que o PSD governo oito anos mas quatro deles sob resgate económico. As políticas de forte investimento público do Governo Sócrates levaram-nos ao terceiro resgate do Portugal democrático. Verdade seja dita que os governos de Durão Barroso e Santana Lopes pouco nada acrescentaram.

4 Os governos de António Costa, que já levam seis anos, não têm conseguido contribuir para uma aproximação real ao poder de compra da UE. E porque razão não têm conseguido atingir esse objetivo? Porque as suas políticas estão essencialmente viradas para o aumento do salário mínimo nacional — e pouco ou nada para o aumento do salário médio. O que não deixa de ser muito curioso quando o próprio Costa tem desde há muitos anos uma narrativa de que temos de moldar a nossa competitividade no conhecimento e no valor acrescentado dos produtos que produzamos e dos serviços que prestemos, em detrimento do custo salarial.

A realidade, contudo, é que durante os governos de António Costa verificou-se uma subida do salário mínimo nacional bem acima dos 20% entre 2015 e 2021, enquanto o crescimento do salário médio está bastante abaixo desses valores com uma subida média que varia entre 1% e os 3%. Estes números arrasam a ideia de que a subida do salário mínimo influencia a subida dos restantes salários. Porquê? Porque o primeiro é uma subida administrativa decretada pelo Governo, enquanto que o segundo baseia-se na performance da economia e na produtividade.

É por isso que uma das questões mais preocupantes da economia portuguesa é a aproximação grave entre o valor do salário mínimo e o do salário médio — relação que é medida pelo Índice de Kaitz, ver aqui. Os dois indicadores estão cada vez mais próximos e isso não é nada positivo porque demonstra uma estrutural salarial média estagnada. E porque razão está estagnada? Porque não há investimento privado que crie produtos de valor acrescentado que levarão inevitavelmente a salários mais altos.

E se não os há é porque o Estado não tem uma política atrativa para tais investimentos internacionais.

5Recordou Francisco Louça na sua coluna desta sábado que a equipa que está a defender Sidney Powell — a advogada da campanha de Donald Trump  que ficou conhecida por responsabilizar as máquinas de contagem dos votos pela alegada fraude eleitoral — argumenta que “pessoas razoáveis compreendem que a linguagem da arena política é frequentemente injuriosa, abusiva e inexata.”

António Costa sentiu-se inspirado e resolveu seguir a mesma linha nas suas redes sociais ao mostrar obras em duas escolas secundárias (Luís Camões em Lisboa e Monte de Caparica, em Almada) para fazer um statement: o Governo de Passos Coelho tinha parado o investimento público e ele, Costa, reverteu tal pecado.

O primeiro comentário que vem à cabeça não é difícil de traduzir: é preciso ter lata!

É fácil verificar, como nesta peça do Jornal de Negócios, que o investimento público em percentagem do PIB esteve sempre em níveis vergonhosamente abaixo dos números obtidos pelo Governo de Passos Coelho:

  • entre 2016 e 2019, o investimento público ficou sempre abaixo dos 2% do PIB;
  • o nível mais baixo em 22 anos foi mesmo atingido em 2016 em que o investimento público ficou-se pelos 1,5%
  • tudo isso deveu-se obviamente à famosa política de cativações de Mário Centeno.

Logo, não deixa de ser um abuso tentar criar uma imagem (falsa) de que o investimento público no tempo de Passos Coelho era mais baixo do que o atual.

Em vez de tweets de propaganda um pouco manhosa, António Costa devia preocupar-se mais com uma visão de longo prazo que permita captar novos investimentos internacionais (uma nova  ‘Auto-Europa’ seria interessante) que tragam riqueza e conhecimento que levem a um crescimento de exportações.

Só assim é que teremos um crescimento sustentado do salário médio e, consequentemente, uma aproximação real ao poder de compra da UE.

Texto alterado às 11h28m