Os Correia estão de férias. Os filhos têm ainda uns dias até regressarem à escola. Os pais já fazem planos para o regresso à vida normal. Guardaram uns dias de férias para celebrar uma data redonda em Marrocos. Pouparam uns trocos ao longo dos dois últimos anos para poderem celebrar à altura. O problema é que não têm o passaporte em dia, deram pela falha no mês de julho e desde então estão a tentar renová-lo a tempo da viagem. Nunca tinham enfrentado tal dificuldade, antigamente até se conseguia em 24 horas no aeroporto. Mas neste verão de 2021 o problema parece sem solução. O melhor que conseguiram, eles que são de Lisboa, foi um agendamento em Beja nos primeiros dias de setembro. Tiveram sorte, se tudo correr bem ainda conseguem viajar na data prevista, os passaportes estarão prontos na véspera e, com uma maratona de Lisboa a Beja, conseguem chegar a horas de apanhar o avião.

O tema da dificuldade em conseguir passaporte deixou os Correia em brasa, mas agora que o assunto está resolvido é preciso deixar a família preparada para o regresso dos filhos à escola. As refeições requerem sempre alguma logística e, portanto, há que atacar o problema com alguma antecedência. Quando se preparavam para comprar os títulos de acesso às refeições escolares depararam-se com novo problema. Os filhos não vão conseguir abastecer-se em meio escolar porque a partir de agora na escola é proibido comer:

Bolos ou pastéis com massa folhada e/ou com creme e/ou cobertura, como palmiers, jesuítas, mil-folhas, bola de Berlim, donuts, folhados doces, croissants ou bolos tipo queque; salgados, designadamente rissóis, croquetes, empadas, chamuças, pastéis de massa tenra, pastéis de bacalhau ou folhados salgados; pão com recheio doce, pão-de-leite com recheio doce e croissant com recheio doce; charcutaria, designadamente sanduíches ou outros produtos que contenham chouriço, salsicha, chourição, mortadela, presunto ou bacon; sandes ou outros produtos que contenham ketchup, maionese ou mostarda; bolachas e biscoitos, designadamente bolachas tipo belgas, biscoitos de manteiga, bolachas com pepitas de chocolate, bolachas de chocolate, bolachas recheadas com creme e bolachas com cobertura; refrigerantes, designadamente de fruta com gás e sem gás e aqueles cuja composição contenha cola e/ou extrato de chá, águas aromatizadas, refrescos em pó, bebidas energéticas, bem como os preparados de refrigerantes; «guloseimas», designadamente rebuçados, caramelos, pastilhas elásticas com açúcar, chupas ou gomas; snacks doces ou salgados, designadamente tiras de milho, batatas fritas, aperitivos, pipocas doces ou salgadas; sobremesas doces, designadamente mousse de chocolate, leite-creme ou arroz-doce; barritas de cereais e monodoses de cereais de pequeno-almoço; refeições rápidas, designadamente hambúrgueres, cachorros-quentes, pizas ou lasanhas; chocolates; bebidas com álcool; molhos, designadamente ketchup, maionese ou mostarda; cremes de barrar à base de chocolate ou cacau e outros com adições de açúcares; gelados.

Vista e revista a lista das proibições, os Correia levaram os filhos à loja macrobiótica mais perto para perceberem que tipo de lanches e almoços faziam as delícias da criançada. A pequenada jurou, prometeu, que nas próximas férias se portava bem de certeza, mas que aquele era castigo exagerado. Os pais Correia viram-se e desejaram-se para explicar que não era castigo nem piada. A partir de agora é mesmo proibido comer aqueles produtos, pedaços de mau caminho. Vai daí os filhos fizeram um desafio aos pais. “Ai é? Então queremos comer no café em frente da escola. Água e brócolos todos os dias é que não!” A mãe Correia lembrou-se da sua próxima viagem a Beja para tratar do passaporte e pensou: “Afinal, se o Estado só consegue dar resposta à minha necessidade em Beja, também não é assim tão complicado deixar os miúdos ir ao café.” Sempre fica mais próximo do seu local de trabalho.

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No meio de tantos afazeres em fim de férias, o pai Correia pegou no jornal para saber as últimas da economia. Queria perceber, afinal, quando chegavam os milhões da “bazuca” e como podiam ajudar o país a sair deste buraco depois de dois anos de Covid. Teve sorte, as notícias surgiam na primeira página: três milhões da “bazuca” para comprar bicicletas para alunos.

Como? Bicicletas? E as escolas é que vão comprar as bicicletas? E o atraso económico do país vai resolver-se com bicicletas? Para alunos? Então e o atraso na emissão de passaportes? Será que a ideia é passarmos a ir de Lisboa a Beja de bicicleta com uma marmita de água e legumes, como mandam as novas regras escolares?

Na Holanda, andam de bicicleta, é certo. Também têm uma economia saudável e alimentam-se com o melhor que a natureza lhes dá. Será que o nosso problema está nos corantes e conservantes? Aí está uma coisa em que o pai Correia nunca tinha pensado.

Vamos esperar mais dez anos a ver se resulta. O pior é que se não resultar lá se foi a “bazuca” e com ela a oportunidade de acompanhar os nossos parceiros europeus. Vai ser chato. Mas ao menos o país é bonito e podemos sempre aproveitar a beleza natural e desfrutar uma viagem fantástica ao interior, com uma marmita extremamente saudável, sempre que precisarmos de renovar o passaporte.