Num episódio da fabulosa série “A Teoria do Big Bang”, uma das personagens femininas revela algo de terrível ao mundo. No filme “Os Salteadores da Arca Perdida”, Indiana Jones é o herói, mas na realidade é irrelevante em todo o enredo. É a namorada dele que tem o artefacto fundamental para encontrar a arca, é interrogando-a que os nazis sabem da localização da arca, os maus são todos destruídos porque a abrem enquanto ele está amarrado e a arca fica escondida na mesma. Sim, é o herói, aparece em todas as cenas de ação, fica com a rapariga no fim, mas o resultado teria sido igual com ele ou sem ele. Porque é que me lembrei disto? É que depois de ver tantas referências a tantas personalidades nacionais do ano, fico espantado com o facto de todas serem políticos. Todas, à sua maneira, Indiana Jones. Senão, vejamos.

O ano de 2017 foi bastante positivo em termos financeiros, como aliás têm sido os últimos cinco anos. As exportações continuaram a crescer e mantivemos uma balança positiva com o estrangeiro, o que demonstra que o nosso trabalho vale cada vez mais no mundo em que vivemos. Algo que o país tem vindo a repetir ano após ano, o que significa que fica mais rico a cada ano que passa. Mas estamos a falar do país, não do estado. Esse, coitado, está cada vez pior. Aquilo que os políticos poderiam fazer por estar no seu controlo, a redução da despesa, é cada vez mais uma redução negativa. Esta seria a contribuição que os políticos poderiam fazer na resolução da demanda da Arca e, de facto, só piora. Todos os números que melhoraram foram os números em que os políticos não poderiam fazer nada e todos os que pioraram foram aqueles que poderiam fazer alguma coisa.

Os juros da dívida são tão baixos que o esforço de os pagar se resolve pelo simples facto de haver um dia atrás do outro. O auxílio do BCE em termos de resolução deste problema foi instrumental na salvação financeira do estado português, sabe-se lá com que consequências para o futuro da União Europeia e do Euro, mas esse é um problema de amanhã. Seria natural esperarmos que, com este auxílio, a despesa, que inclui os juros que temos que pagar da dívida, fosse baixando de forma material, face à dimensão do elefante. Mas não, todo o benefício que nos foi dado pelos nossos parceiros europeus, e que teremos que devolver um dia, foi gasto em compromissos de mais gastos com os verdadeiros beneficiários da existência de um estado português, os seus funcionários, mas não com o país. Com o óbvio apoio do BCE, veio ainda o reconhecimento das agências de rating a sério de que a sua avaliação era pateta neste mundo de mercado de crédito a fingir. A DBRS nunca baixaria o rating a não ser à ordem do BCE e o BCE usava a DBRS como desculpa. Não fazia qualquer sentido que se avaliasse um emitente como a república portuguesa com base nos critérios normais no meio de uma pantomina destas. E, consequentemente, apesar dos ratings se terem alterado, a liquidez do mercado de dívida nacional continua ridícula como é desde 2011, a transacionar-se um título de quando em vez só para os media poderem dar notícias sobre “os juros”. A boa notícia no meio disto é que já ninguém se lembra da DBRS.

Foi um ano de luxo para o turismo nacional que foi capitalizando o fim do nosso segredo, que Portugal é um sítio muito melhor que os outros todos. Vários empreendedores neste país empenharam-se a trabalhar para servir estrangeiros e os alojaram nos seus hotéis e apartamentos tentando dar-lhes na nossa terra a melhor experiência possível. Das grandes redes hoteleiras, aos pequenos proprietários de pequenos apartamentos. Mas, pasme-se, alguns políticos nacionais que parecem incapazes de vestir um fato e uma camisa ou de fazer a barba, entendem que o seu papel nesta vida é atacar estes pequenos proprietários porque servem um tipo de turista de pé-descalço que não interessa. Louve-se o governo por servir de barreira protetora a quem tenta trabalhar, mas, não querendo parecer mal-agradecido, que papel restava a um governo que não protegesse quem trabalha?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

2017 foi também um grande ano para toda a tecnologia nacional. Temos uma estranha tendência de achar que vender tecnologia é empacotar semicondutores pela fronteira fora, mas tecnologia é muito mais que isso. É ter novos modelos a ser produzidos em fábricas automóveis, que geram a produção e desenvolvimento de novos componentes que, por sua vez, geram a conceção de novos desenhos e moldes para a utilização de novos materiais.

E foi, vão-me perdoar a imodéstia por estar envolvido nisto, um ano extraordinário em termos de consolidação da aposta de gigantes europeus na matemática que é produzida pelos cérebros portugueses – e não só – que se vão reunindo por cá em centros de competência, com milhares de pessoas a desenvolver a melhor Ciência de Dados que o mundo conhece. Um pequeno caminho que se começou a fazer há uma dezena de anos e que, aos poucos e poucos, se foi multiplicando ao ponto de Portugal ser hoje uma primeira escolha quando falamos daquela que é uma das áreas de maior desenvolvimento no mundo civilizado. Bancos franceses e ingleses, seguradoras suíças, construtores alemães, tecnológicas americanas estão a passar para Portugal, e para os portugueses, a missão de desenvolverem modelos matemáticos que possam interpretar as quantidades verdadeiramente impensáveis de dados que hoje se disponibilizam nos mercados do mundo inteiro, em consequência da crescente digitalização da nossa vida. E se o leitor acha que isto é uma coisinha de gente esquisita (sim, também é), deixe-me adiantar-lhe que o número de trabalhadores já envolvidos nesta indústria em Portugal faz a AutoEuropa parecer uma boutique. E foi este, também, o ano em que se descobriu que o melhor mestrado do mundo na área é lecionado em Lisboa.

Foi 2017 um ano positivo em todos os aspetos? Claro que não, nenhum é. Mas ao contrário do que diz o Secretário Geral da ONU, foi um ano em que o mundo ficou melhor que o que estava. Sem ter números finais, tenho a certeza absoluta que a linha de evolução da humanidade permite retirar que estamos a fazer um caminho no sentido do progresso geral do ser humano, que terá os seus desafios aqui e ali, mas será o ser humano a levar o seu semelhante para um estágio ligeiramente superior de qualidade de vida.

O ano de 2018 vai ser um ano ainda melhor. E sei que vai ser porque todos são. Isto apesar de sabermos que, no meio de tanta gente, aparecem as sociedades de intelectuais que defendem que a Terra é plana, que a vacinação é uma arma do demónio ou que o aquecimento global é uma invenção dos cientistas. E, por isso, é também natural termos políticos que acham que são tão bons que merecem ser financiados acima da lei, políticos sexagenários que se acham progressistas a debitarem teorias estapafúrdias com 200 anos e outros que sabem exatamente o que é melhor para o trabalho sem que nunca o tenham praticado de forma profissional. A boa notícia é que a influência dos políticos é muito reduzida no enredo e no resultado final da história, daí a minha certeza do grande ano que se apresenta pela frente.

Que o estado português vai acabar pior no fim de 2018 que acabou no fim de 2017 (como aconteceu sempre!)? Isso é dado adquirido, apesar de começarmos o ano com a mesma notícia que começamos todos os que me lembro, os impostos vão subir. Mas o país vai estar muito, muito melhor e é isso que interessa para a nossa vida e para a daqueles que connosco a fazem boa. Se toda a gente insiste em vos apresentar um político como figura do ano, repitam comigo: “Parabéns, Indiana Jones!”

PhD em Física, Co-Fundador e Partner da Closer