A maravilhosa história da moda das tranças pretas não é simples. Há várias dificuldades a considerar, todas relacionadas. Uma consiste em, por causa de terem visto uma menina com tranças pretas, muitas outras meninas terem deixado crescer tranças. A segunda consiste na atracção das segundas meninas pelas tranças da primeira. Uma terceira é o ter desaparecido a menina das tranças pretas original, e terem apesar disso subsistido hordas de outras meninas com tranças: é a dificuldade em perceber a moda das tranças pretas propriamente dita.

A primeira dificuldade é explicada pela ideia exagerada de que as pessoas gostam sobretudo de se imitar umas às outras. Uma vendedora de violetas no Chiado tinha tranças pretas; quem passava por perto via-as; quem as via desenvolvia tranças pretas: macaco vê, macaco pouco a pouco desenvolve. Segundo esta explicação tudo neste mundo se propaga como uma doença; a explicação sugere uma epidemiologia que não temos, e que ninguém sabe como se pode arranjar. Evidentemente não consegue explicar a razão por que a alguns em Lisboa as tranças não impressionam; ou a razão por que as violeteiras em Coimbra nunca causaram os efeitos das suas colegas mais a sul.

A segunda dificuldade é de natureza diferente. A história não esclarece a razão por que “raparigas d’alta roda” se preocupariam com as características capilares de uma vendedora de violetas. Fala-se difusamente em “vergonha”; mas porque haveria uma rapariga de alta roda de sentir vergonha dos cabelos que tem? Haverá motivos psicológicos, ou clínicos, ou económicos? Uma possibilidade é que a atracção extraordinária pelos cabelos da vendedora de violetas se deva apenas à rima entre “cabelos” e “crescê-los.” Foi o talento do autor que fez rimar “cabelos” com “crescê-los.” Não é precisa nenhuma teoria.

Mas falta explicar a parte mais difícil da história. Na última quadra do fado, que é a melhor (“foi-se embora e à tardinha”), a violeteira desaparece sem explicação. Quando nos é comunicado que a inventora das tranças pretas desapareceu, é também dito que esta deixou “o Chiado carregado de mil tranças;” são porém tranças de qualidade inferior. A lição filosófica é a de que muitas vezes as sobras de costumes, convicções e hábitos subsistem, mesmo quando o contexto em que apareceram já não existe.

Ninguém tem esperanças de que a violeteira volte; neste fado sombrio tudo o que fica dela é a moda das tranças pretas. A moda faz-nos sorrir como a lusofonia, as garraiadas, os cintos de segurança, o cúmulo jurídico e o novo fado. Diante destes costumes, a que nunca falta o ar cómico das sobras, nós somos as raparigas d’alta roda: todos começaram por ser versões cómicas de coisas desaparecidas. Quanto às coisas propriamente ditas, boas ou más, estão no sítio para onde foi a menina das tranças pretas.

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