Já não há fim-de-semana que não traga praia e o diário da república. Se nós somos também aquilo que lemos, o que estamos condenados a ler revela também o mundo em que vivemos. Se o jornal está a ser substituído pela produção estatizada, deve-se à rápida constatação que a frágil economia nacional não sobreviveria à pandemia, nem sobreviverá, sem uma forte intervenção estatal. Constatação triste para quem do Ocidente olha com desagrado para regimes em que o Estado centraliza as decisões. São sem dúvida sinais dos tempos.

Por cá, gerada a expectativa de stock de cimento comunitário capaz de tapar o buraco orçamental criado pela pandemia e pelas inerentes medidas de emergência, eis o Plano de Estabilização Económica e Social.

Apresentado pelo Conselho de Ministros como a materialização das medidas necessárias para fazer face à denominada fase de estabilização, que durará até ao final de 2020, o plano prevê medidas para quatros grandes eixos. Importa à nossa pena discorrer sobre o terceiro, aquele que se centra no apoio às empresas pela via fiscal.

Em conjunto com o anúncio da maior contração do PIB de que há registo nas últimas décadas, o Governo prevê durante 2020 uma redução do consumo privado de 4,3%, do investimento (FBCF) de 12,2% e das exportações de bens e serviços de cerca de 15,4%. Tudo dados que anunciam uma taxa de desemprego de 9,6% da população ativa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Perante este cenário, no mínimo desafiante, o Governo anuncia seis medidas fiscais.

Relativamente aos pagamentos por conta, parece ter vencido o bom senso de considerar dispensáveis ou limitáveis os adiantamentos de IRC a pagar por empresas cujos prejuízos apurados em 2020 são já uma certeza. Neste sentido, as empresas que tenham tido uma quebra superior a 20% ou 40% no 1.º trimestre de 2020 podem limitar o pagamento por conta devido nos termos gerais até 50% ou 100%, respetivamente. Nos sectores de alojamento e restauração a limitação até 100% parece não depender da quebra da faturação. “O diabo está sempre nos detalhes”, portanto, espera-se que a preposição até não seja um anúncio de complexidade interpretativa da legislação que materializará esta medida. Adicionalmente não deve ser esquecida a forma de computo da quebra para sujeitos passivos que se organizem segundo o regime especial de tributação de grupo de sociedades.

Face ao mais que esperado aumento de empresas em situação de prejuízo fiscal durante 2020, deixam de ser agravadas as taxas de tributação autónomas devidas pelas empresas com lucros em anos anteriores e que apresentem prejuízo fiscal em 2020.

Os anos de 2020 e 2021 deixam de contar para efeitos de controlo dos anos de reporte dos prejuízos fiscais gerados até 2019. Para as grandes empresas o prazo limite de reporte dos prejuízos fiscais é alterado de cinco para dez anos. Adicionalmente, e independentemente da dimensão das empresas, anuncia-se o aumento para 80% do limite de dedução à coleta dos prejuízos fiscais apurados em 2020 e 2021. Neste ponto entendemos que o Governo poderia ter ido mais longe ao permitir, ainda que em regime de excepção, a oportunidade de deduzir os prejuízos fiscais apurados durante 2020 e 2021 aos lucros tributáveis apurados durante os dois anos anteriores. Por esta via, haveria uma maior solidariedade fiscal entre os exercícios e verificar-se-ia uma injeção de liquidez determinante para as empresas neste momento.

Com vista a fomentar a concentração e apoiar pela via fiscal a reorganização dos grupos empresariais, é anunciada a desconsideração do limite de utilização dos prejuízos fiscais da sociedade incorporada na esfera da sociedade incorporante nas fusões realizadas em 2020. Esta medida parece exigir que não sejam distribuídos lucros durante três anos e, por outro lado, permite a não aplicação da derrama estadual na medida em que da fusão resulte um lucro tributável superior. É também permitida a transmissibilidade dos prejuízos fiscais apurados por sociedades adquiridas consideradas PME’s e em dificuldades. O plano refere a possibilidade da utilização destes prejuízos fiscais pela sociedade adquirente pelo que será necessário esclarecer em que medida a legislação a aprovar o permitirá.

É também anunciado um adicional de solidariedade sobre o sector bancário de 0,02% cuja receita será consignada à Segurança Social para comparticipar nos custos orçamentais suportados durante a crise. Discrimina-se negativamente uma vez mais este sector numa medida difícil de fundamentar em termos técnicos e que provavelmente levará a litigância. Adicionalmente este sector será um dos mais afetados por esta crise em que o risco de incumprimento das empresas e dos particulares cresce a cada dia que passa.

Tendo em vista a antecipação dos investimentos programados, o estímulo de novos investimentos e a manutenção de postos de trabalho, é anunciado um novo crédito fiscal extraordinário de investimento aplicável aos investimentos realizados durante o segundo semestre de 2020 e primeiro semestre de 2021. Este crédito materializa-se numa dedução à coleta de IRC de 20% das despesas de investimento até um limite máximo de 5 milhões de euros, é reportável por um período máximo de 5 anos e está sujeito à manutenção de postos de trabalho durante um período mínimo de três anos. Este crédito, caso seja universal e não discrimine pela dimensão das empresas e pelo sector de atividade, representará um incentivo ao investimento muito relevante. Basta para tal conclusão analisar o impacto que a primeira versão deste crédito teve no passado.

A crise por que todos estamos a passar obrigou-nos a reagir diariamente aos desafios. Parece ser essa a motivação das medidas fiscais apresentadas. Responder cirurgicamente a algumas das necessidades identificadas. Aguardemos pela formalização das medidas e por novidades adicionais que possam resultar das negociações inerentes ao orçamento complementar a apresentar durante os próximos dias. Cá estaremos.