Serão os liberais inimigos da função pública?

Tornou-se recentemente popular na internet um vídeo em que João Cotrim de Figueiredo, presidente da Iniciativa Liberal, à data do vídeo então presidente do Turismo de Portugal, constatava a escassa existência de “ferramentas de recursos humanos” nos organismos do Estado. Um termo peculiar, que compreensivelmente poderá gerar algumas conceções erradas. Rapidamente foi o deputado liberal acusado de “ser socialista e não o saber”. Torna-se, então, necessário clarificar o que os liberais defendem como política de gestão de recursos humanos no Estado, no seu setor empresarial e demais organismos.

Inúmeras foram já as vezes em que os liberais recorreram a esta ideia, mas continua a ser essencial recorrer à mesma todas as vezes em que se tente deturpar os ideais liberais. Sim, os liberais defendem menos Estado, e defendem-no porque apenas através de um Estado menor se obtém um Estado melhor. E o que será mais desejável? Um Estado gordo e, como tal, propenso a grandes desperdícios e ineficiências de gestão, ou um Estado que, apesar de menor, se consegue concentrar nas funções que devem efetivamente ser executadas por si, desempenhando as mesmas com maior qualidade e menos desperdício?

Quando João Cotrim de Figueiredo se refere naquele vídeo à ausência de ferramentas de recursos humanos no Estado, é importante perceber que a afirmação não é feita no sentido de contratar mais funcionários públicos. As pessoas não são ferramentas.

Mais importante que aumentar os quadros do Estado, é valorizar os colaboradores atuais, dando aos mesmos ferramentas de trabalho e motivação que os permitam crescer e desenvolver um melhor trabalho e é exatamente isto que o deputado liberal refere no vídeo em questão: a dificuldade em promover e renumerar de forma justa os recursos humanos do Estado. Por experiência própria, acredito que a esmagadora maioria dos funcionários públicos e demais colaboradores do setor empresarial do Estado concordarão com esta constatação.

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É necessário ser perentório, a meritocracia no Estado é praticamente inexistente. Como pode um colaborador sentir-se motivado nestas condições? As promoções (que em geral não são mais do que uma subida no escalão da carreira) estão fortemente associadas aos anos de carreira, costuma, aliás, dizer-se, que “a antiguidade não é posto”, contudo, tal afirmação não é verdade no Estado.

A política a que temos assistido assenta, como referido, na constante contratação de mais colaboradores e em aumentos salariais globais, o que levanta dois problemas:

  1. Quanto maior o for o número de funcionários públicos, menor será a capacidade de os renumerar de forma justa;
  2. Aumentos salariais que buscam recompensar todos por igual, independentemente do seu mérito, geram desmotivação.

Pode evocar-se que todos os funcionários mereceram eventualmente aumentos que, no mínimo, permitam acompanhar a inflação. Mas serão aumentos líquidos de dois euros capazes de motivar alguém? Arrisco-me a afirmar que terão precisamente o efeito oposto, transmitindo uma mensagem de total desprezo que rapidamente leva à desmotivação.

É, portanto, desejável um Estado com uma estrutura de recursos humanos adequada às suas necessidades, menor, mas mais bem recompensada e mais motivada a prestar serviço de qualidade. Um Estado que se concentre em recompensar quem se destaca pela qualidade da execução das suas funções, um Estado que saiba promover e reconhecer o mérito dos seus colaboradores. A título de exemplo, num ano de pandemia em que aos funcionários do SNS tudo se exige, não deveria ser prioridade do Estado recompensar este grupo de pessoas?

Mas não só pelo aumento dos salários se recompensa e motiva os funcionários. É imperativo o aumento da transparência dos processos de promoção e contratação. É fundamental que qualquer funcionário do Estado, independentemente da sua filiação política, tenha a possibilidade de subir na hierarquia e assumir cargos de chefia, se assim a sua performance justificar.

É ainda essencial assegurar que os principais cargos de chefia são atribuídos por via de concursos transparentes e abertos a toda a sociedade, pondo fim às nomeações políticas de militantes do partido que se encontrar em poder de tomar a decisão.

Acredito serem estas as principais ferramentas de motivação às quais João Cotrim de Figueiredo se referia no vídeo com o qual abri este texto. Defender funcionários públicos motivados não é socialismo, aliás, aquilo a que temos assistido nas governações socialistas é a contínua desmotivação destes profissionais. Exige-se meritocracia no Estado, capacidade de recompensar e motivar quem pretende crescer e realizar com qualidade as suas funções, independentemente da sua atividade política.

Como em qualquer organização, o ativo mais valioso do Estado são as pessoas e apenas com colaboradores motivados poderá o Estado aumentar a sua eficiência.