O Verão não foi brando para o Bloco.

Em lugar das falhas clamorosas do SIRESP, com que o país pasmou no ano passado, assistimos em 2018 à combustão espontânea do Bloco de Esquerda, auto-imolado no fogo do seu moralismo totalitário e totalizante, desta feita por acção da faísca lançada por Ricardo-Frei Tomás-Robles. O jovem especulador anti-especulação convidou o diabo a visitar o Bloco de Esquerda – e não o país, como profetizou o antigo prenúncio de catástrofe de Passos –, ao que o convidado prontamente acedeu, por certo entusiasmado com a oportunidade de demostrar que, afinal, o diabo não está nos detalhes, mas nas coisas grandes e importantes (neste caso, com a importância de alguns milhões de euros destinados aos bolsos de Robles e da sua família).

E quando parecia que o partido mais dissimulado, indefinido e fluido do nosso espectro político iria sair realmente queimado – muito por culpa de Catarina Martins, imprevisivelmente toldada pelo pânico e pela desorientação, que a própria veio depois a reduzir à condição residual de “erro de análise” –, eis que a estratégia é afinal acelerar em frente e em força. É certo que só as eleições do próximo ano revelarão à luz do dia a verdadeira extensão do incêndio, mas é um facto que nem o partido nem a sua coordenadora se deixaram eclipsar ou abater ou tão-pouco tocar por essa fraqueza tão humana que é a humildade. Nada disso, bem pelo contrário.

Qual Fénix chamuscada mas não reduzida a cinzas – uma semi-Fénix, talvez, como é próprio de uma organização mais-ou-menos –, o Bloco ensaia a sua Grande Fuga Em Frente, propulsionada pela grande timoneira Catarina e pelo não menos poderoso instinto de sobrevivência, em direcção ao Governo e à respeitabilidade institucional que advirá do assento à mesa do “arco da governação”. Chega de ser fiel da balança, garante de equilíbrios ou contrapeso democrático – agora o Bloco quer mesmo mandar. E di-lo com clareza, por uma vez na vida: “O Bloco não luta por estar sempre fora do Governo, o Bloco luta é por ser determinante no Governo de que faça parte. Até chegarmos a essa parte em que conseguiremos ser determinantes falta uma alteração de uma relação de forças que nos dê peso, em que nós não sejamos um penacho de um qualquer Conselho de Ministros“.

O Bloco quer crescer e quer deixar claro que não abdicará do jogo de poder e que não desistirá sem luta de impedir a maioria absoluta do PS. Isso é efectivamente clarificador mas não é menos perigoso – o alargamento do “arco da governação” a partidos que defendem um Portugalexit, que vilipendiam a NATO, que denunciam a perseguição a Lula, que se limitam a olhar com indisfarçável embaraço para a Venezuela que no fundo idolatram como exemplo, e que pretendem erradicar do léxico económico as palavras “negócio”, “empresário” e “lucro” anuncia tempos de planificação, centralização e provavelmente, como consequência lógica, de intervenção externa. É claro que Jerónimo e o PCP não querem ficar a ver a banda a passar e já vieram a terreiro (para já, não o do Paço) anunciar a intenção de participar na governação do país.

Veremos o que nos traz a silly season que começa agora e se prolongará até à discussão do Orçamento para 2019.

A “luta tremenda” já foi anunciada por Mário Nogueira. Só falta anunciar a Grande Fuga Em Frente da sua organização e informar que está também disponível para governar.

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