Relativamente à Grécia, em 2015 como em 2012, o grande erro de Merkel tem sido o de insistir na manutenção da Grécia na zona euro a qualquer custo. À medida que as provocações do novo governo grego vão subindo de tom – entre as mais recentes, é de destacar a ameaça do ministro da Defesa grego de promover uma inundação de gregos e jihadistas caso os parceiros europeus não cedam às reivindicações de Atenas – a insustentabilidade da actual situação torna-se cada vez mais manifesta.

A verdade é que, por muito que as ideias e actuação do governo liderado pela esquerda radical na Grécia causem desagrado e até repulsa, as regras do jogo democrático ditam que os gregos que votaram nos partidos que o suportam têm a legítima expectativa de ver essas políticas executadas. Não podem é, naturalmente, esperar que sejam os restantes europeus a pagá-las.

Note-se que não se trata de defender uma saída do euro como forma de punição à Grécia. O que está em causa é simplesmente não continuar a insistir que é possível forçar um país a adoptar políticas compatíveis com a sua manutenção na zona euro quando tal vai contra todas as evidências até ao momento. Se nem face a um governo liderado pelo Syriza esse erro for corrigido, o preço a pagar pela Europa arrisca-se a ser muito elevado num futuro não muito distante, e não apenas do ponto de vista financeiro.

Não obstante a teimosia de Merkel e das elites alemãs no poder, os sinais que vão chegando da própria Alemanha são claros. No recente descalabro eleitoral da CDU em Hamburgo, a distribuição global de votos entre esquerda e direita praticamente não se alterou face às anteriores eleições. O que aconteceu foi que a CDU perdeu cerca de um terço da sua votação (6 pontos percentuais) ao mesmo tempo que os eurocépticos da AfD, muitos dos quais dissidentes da CDU, conseguiram 6,1% dos votos. Ao mesmo tempo, Hans-Werner Sinn, presidente do Ifo, um dos mais influentes institutos alemães de análise económica, já veio defender publicamente uma saída ordeira da Grécia da zona euro. Uma posição que ganha também cada vez mais terreno na opinião pública alemã.

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É difícil prever se todos estes sinais externos e internos serão suficientes para fazer o governo alemão mudar de ideias, mas será certamente perigoso continuar a ignorá-los prosseguindo no rumo actual como se tudo estivesse bem. Como bem alertou João Carlos Espada:

“Talvez as elites alemãs venham a ter de aceitar que a Alemanha tem de pagar para salvar o euro no seu presente formato, isto é, incluindo um grupo tão diversificado de países e de economias. Mas, se e quando as elites alemãs aceitassem essa alternativa, iria o eleitorado alemão aceitá-la também? Se e quando uma união orçamental fosse implementada, com transferências automáticas, a Alemanha não iria assistir à subida do extremismo, neste caso de sinal contrário ao do Syriza na Grécia? Em boa verdade, a subida do extremismo de direita na Alemanha, por enquanto limitada, é já um facto observável a olho nu.”

Ainda que o efeito final das transferências seja discutível também para os países que são recebedores líquidos (pense-se por exemplo, na vasta e perniciosa indústria de captura de fundos europeus que se estabeleceu entre nós), será sempre mais fácil convencer gregos, espanhóis e portugueses a receberem fundos europeus do que alemães, holandeses, britânicos e finlandeses a pagarem-nos. Para os leitores portugueses que tenham dificuldade em aceitar esta ideia, um exercício simples poderá ajudar: basta pensar na última vez que ouviram um político português continental a defender o aumento das transferências orçamentais para a Madeira para fazer face à crise orçamental da Região Autónoma.

Considerando adicionalmente que boa parte das elites sediadas em Bruxelas parece definitivamente apostada em fazer da União Europeia cada vez mais um mecanismo redistributivo supranacional, desvalorizando as liberdades internas, é fundamental que se flexibilize o processo de integração. Permitir diferentes graus de integração poderá muito bem ser imprescindível para preservar a União Europeia e os seus aspectos positivos. E, para isso, o euro não pode ser visto como um dogma de fé europeísta nem como uma varinha mágica para impor boas práticas governativas a povos indisciplinados. Sob pena de acabar como uma tragédia.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa