Recentemente a CP informou no seu site que por motivos de greve existiriam atrasos e supressões de comboios entre os dias 3 e 30 de junho de 2022, além de “perturbações significativas” na circulação de comboios durante os dias 10, 12, 13 e 16 de junho que irão afetar os serviços.

Será desta que a classe política entende que falhou na construção de um sistema ferroviário digno de um país desenvolvido?

As reclamações por aumentos salariais, congelados há mais de 10 anos, entram em choque com o atual estado de debilidade financeira do país. Porque nenhuma crise é uma oportunidade perdida, e numa altura em que o PCP saiu do arco da governação, não é de todo absurdo questionar a correlação entre o recente aumento de ameaças grevistas com os resultados das últimas eleições legislativas. Especialmente vindo de um quadrante ideológico formalmente decadente por toda a Europa e que apenas vai iludindo uns poucos crentes revolucionários que não irão parar até caírem na inevitável irrelevância.

O oposto de revolução culmina na calmaria, e no caso da rede ferroviária portuguesa, além da inexistente ambição por parte dos últimos governantes, não são apenas as condições laborais que ficaram para trás, foi o sistema ferroviário como um todo.

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A negligente abordagem deste tema antecede a 3ª República. A rede ferroviária portuguesa conta atualmente com aproximadamente 2.600 quilómetros explorados, distante do seu máximo histórico de mais de 3.500 quilómetros. A monarquia construiu quase tudo da rede ferroviária que hoje temos, a 1ª República pouco acrescentou, o Estado Novo estagnou-a e a 3ª República diminuiu a sua exploração em cerca de 40% das vias férreas.

Um país que em extensão territorial é considerado “pequeno” tinha, e tem, a obrigação de ser mais coeso. Se observarmos o principal eixo ferroviário do país, aquele que liga Porto e Lisboa, chegaremos à conclusão de que existe uma capacidade deficitária, que não é de agora, mas sim de há muitas décadas. Naturalmente impacta os tempos de viagem ao longo de um eixo que responde perante uma amostra populacional massiva no contexto português.

Porém, achar que a falta de visão da classe política afeta apenas a capacidade do português comum de viajar entre distritos, num serviço público que supostamente devia ser portador de um sentido de confiança e previsibilidade, é errado. Infelizmente afeta as áreas de grande dinamismo industrial que carecem de vias de elevada performance e plataformas adaptadas à sua realidade. A falta de competitividade na região Norte, que depende de uma linha insuficiente do Minho, e as restrições colocadas ao porto de Sines pela linha de Sines são um exemplo disso mesmo.

Além do exposto, outras capitais de distrito também sofrem do fraco sistema férreo, como é o caso de Viseu, uma cidade com quase cem mil pessoas, que viu a sua Estação Ferroviária ser encerrada em 1990.

Ano após ano temos notícias sobre a insustentabilidade orçamental da CP, que não só consome recursos públicos na casa dos milhares de milhões, como acelera o processo de cedência perante a crescente interferência de Bruxelas no nosso país, já que a tão falada “limpeza da dívida histórica” depende de fundos Europeus. A ineficiente gestão estatal deste setor será amparada pela almofada de Bruxelas e isso não devia ser motivo de orgulho.

Mas se não for a via estatal então que via resolverá este imbróglio?

Quando um bem ou serviço com efetivo interesse para a sociedade não é suficientemente produzido pela mera ação do mercado, o Estado é chamado a jogo. Não por ser o Estado e porque se tem uma agenda ideológica a cumprir, mas porque o Estado é um meio para atingir um fim, não o fim em si.

Num Estado enfraquecido, o interesse nas infraestruturas deve ser o de obter os menores custos globais possíveis. Porém, a maioria absoluta socialista não vai abrandar na sua fixação ideológica, cada vez mais presente noutras áreas como a saúde e a educação, uma vez que estamos perante uma classe governante que é a antítese do reformismo.

Os que se opõem à visão estatizante que falhou, caso contrário não estariam a protestar, são praticamente os mesmos que, precipitadamente, apontam os casos portugueses em que a concessão a privados degenerou na busca de redução de custos e no agravo da qualidade dos serviços.

Se o Estado se desresponsabiliza do papel de, em primeiro lugar, desenhar contratos com incentivos virtuosos para a melhoria da qualidade do serviço e posteriormente de assegurar o cumprimento desses mesmos contratos, é difícil que dê certo. Esta visão tradicionalmente de direita em que o Estado é um árbitro e não um jogador, não corre nas veias dos socialistas portugueses.

Facto é que muitas pseudo-privatizações foram feitas pelo PS aquando da viragem do século, mas até os árbitros precisam de formação para saber dirigir um jogo. Colocar quem partiu de uma visão odienta contra a propriedade privada, a usá-la por pressão política externa, é o mesmo que colocar um peixe a trepar uma árvore. Vai contra a sua natureza. Em contrapartida, existem casos de contratos de concessão, como é o caso da Fertagus, que tem índices de satisfação superiores aos da CP e poupanças consideráveis para os contribuintes.

Embora existam exemplos de outros países que optaram por passar o poder de ação nesse mesmo mercado a indivíduos além do Estado, como no caso Italiano, a solução para as greves não pode passar por simplesmente liberalizar o setor. Trata-se de um mercado que, por economias de escala ou efeitos de rede, tendem a ser monopolistas e, portanto, necessitam de regulação por um árbitro competente.

A estagnação do setor não só desmotiva quem participa dele como também prejudica o consumidor com transtornos como o apresentado na parte inicial do artigo. A “questão da CP”, que inevitavelmente englobará o sistema ferroviário nacional como um todo, vai ter que ser respondida mais cedo ou mais tarde.

Podemos concluir que os atores políticos deste sistema não terão coragem em tocar na ferida do atual estado de fraqueza nacional e derivados incómodos sentidos pelo eleitor comum. Por outro lado acabam de abrir uma janela de oportunidade para os novos partidos se destacaram com ideias inovadoras. Veremos quem chega primeiro à carruagem da oposição emergente.