Juridicamente, a greve dos motoristas de combustíveis, uma vez cumpridos os serviços mínimos, é uma greve aparentemente legitima, sem prejuízo de outras opiniões que fundamentadamente entendem que não. Mas na prática, e naquilo que interessa ao cidadão, é uma outra coisa, Sem necessidade de fazer processos de intenções, o facto é que se trata de um sequestro de 10 milhões de pessoas por 900 motoristas.

O objectivo de qualquer greve é evidenciar ao empresário que aquilo que ele deixa de auferir, com a ausência de produção, é-lhe mais prejudicial que melhorar o salário dos trabalhadores. No caso vertente não é isto que se apreende. O meio escolhido para obter o resultado pretendido pelos grevistas é o uso da intranquilidade pública e os danos causados aos cidadãos. Neste caso não estamos perante um dano colateral a terceiros. Os papéis estão invertidos. Os cidadãos são o dano directo e os patrões são o dano colateral.

Estando o início da greve dos motoristas previsto para segunda-feira dia 12 uma parte dos postos de abastecimento de combustível estão já com os stocks esgotados.

As medidas já anunciadas pelo governo, como os postos prioritários ou o racionamento, podem tornar-se insuficientes e a solução mais previsível será mesmo a requisição civil se a greve for por diante.

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Existe, no entanto, um aspecto pouco divulgado pela comunicação social, que tem a ver com os direitos dos cidadãos, ou seja, os seus direitos de defesa face a situações que atentem contra a sua liberdade e sobrevivência, como afigura vir a verificar-se, na situação em curso.

Essas normas constam dos artigos 34º e 35º do Código Penal e regulam o Direito de necessidade e o Estado de necessidade desculpante.

Dispõe o artigo 34º do Código Penal, que e citamos, “Não é ilícito o facto praticado como meio adequado para afastar um perigo actual que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou terceiros (…) verificados que sejam certos requisitos, como não ter sido voluntariamente criada pelo agente a situação de perigo e haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar.

Por seu turno, o artigo 35º do Código Penal regula o Estado de necessidade desculpante, isto é, considera que “Age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado a afastar um perigo actual e não removível de outro modo, que ameace a vida, a integridade física, a honra ou liberdade do agente ou de terceiro, quando não for razoável exigir-lhe, segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente.” (sublinhados nossos)

Estas normas de exclusão da ilicitude constantes do Código Penal visam exactamente a garantia da defesa do cidadão, face a acontecimentos que lhe são alheios, e que colocam em crise e em perigo, direitos que possuem, os quais com o integral cumprimento das normas e regulamentos, não seriam possíveis de salvaguardar.

No caso de falhanço das medidas tomadas pelo Governo (serviços mínimos e postos estratégicos) e na ausência de requisição civil, ou de incumprimento da requisição civil, cada cidadão, perante um evento concreto que directamente o afecte, terá de decidir se a situação de perigo em que está colocado, justifica ou não a prática de actos, que fora de uma situação de excepção, seriam ilícitos.

É sempre difícil dar exemplos para estas situações, pois dependem da situação concreta e do agente em causa. Mas sem dúvida, que para as pessoas, em que o combustível é indispensável para a deslocação ao trabalho (por inerência do próprio serviço, ou pela inexistência de transporte público) e por conseguinte condição para recebimento do salário de que depende a sua sobrevivência, o incumprimento das normas sobre transporte e armazenamento de combustível, podem não ser consideradas ilícitas, nestas circunstâncias. O acesso a medicamentos ou alimentação, fora dos circuitos normais de fiscalização e controle, (em mercado paralelo ou informal) podem igualmente não ser consideradas ilícitas, se o acesso a estes bens for impedido pela inexistência objectiva da liberdade de circulação das mercadorias.

Seja como for, perante a aplicação de coimas ou penas derivadas de actos ilícitos, em relação às quais cada cidadão visado, entenda que foram praticados em regime de Estado de necessidade desculpante, devem ser impugnadas pelos visados, junto do tribunal competente e caberá a um juiz, e só a um juiz, decidir se tais actos estão excluídos de ilicitude e portanto não são penalizáveis.

Jurista